Revista Jardins

Descobrir a Graciosa

Uma ilha com pouco mais de 4000 habitantes que ergue orgulhosamente o título de reserva da biosfera.

Graciosa

A Natureza cenariza formações muito poderosas se avaliarmos a originalidade e a estética da paisagem vegetal. É este tema que aqui proponho descobrir em quatro das nove ilhas açorianas. Nesta edição a abordagem foca-se na ilha da Graciosa. Com pouco mais de 4000 habitantes, a ilha da Graciosa ergue orgulhosamente o título de reserva da biosfera. Toda a ilha é merecedora dessa elevação, muito pelo
zelo da população consciente nas ações de boas práticas com o meio ambiente. O comportamento dos seus habitantes é irrepreensível e fala a todos os visitantes dessa lição homérica que é o respeito pelo território: ordenado, cuidado e limpíssimo. O mar é a melhor imagem de como a população cuida do que lhe pertence e do que é por todos partilhado. Atitudes de civismo e elevado respeito são exacerbadas por onde percorramos a paisagem, seja a urbana, a rural, a marítima ou a natural. Uma ode ao mundo a partir de um território pequenino que fala duma mensagem enorme e urgente. A pegada humana é minimizada e o lixo e desperdícios corretamente recolhidos e tratados. As rotinas da vida moderna estão coordenadas entre a população e as instituições, não há testemunhos de agressões à Natureza, a paz ambiental encanta a ilha.

O relevo de baixa altitude faz da ilha da Graciosa a mais seca de todo o arquipélago, onde a pluviosidade é reduzida se comparada com as demais ilhas. Esta peculiaridade transforma de forma drástica a paisagem, menos arborizada e com áreas a mostrar alguma secura nos tapetes verdes que nos habituámos a contemplar. O pastoreio veio pressionar o desenvolvimento de plantas de porte arbóreo, a ponto de nas pastagens se preverem construções de pedra aparelhada em torno de cada árvore, com a finalidade de proteger os exemplares do gado bem como dos ventos dominantes e fortes que se fazem sentir na ilha. O mesmo sistema é comum nas ilhas de Lanzarote, Canárias e em Cabo Verde

A imagem 2 documenta em perspetiva e resumidamente, a história do Homem na ilha: ao introduzir o gado, moldou a paisagem com construções de divisórias de pedra afastando a vegetação autóctone para trás desses limites, cada vez mais constrangida a pequenas parcelas disponíveis onde encontra uma forte concorrência com espécies alóctones que repintaram a imagem vegetal da ilha. A arquitetura dos ramos envelhecidos da Erica azorica, endémica dos Açores, ladeia a perspetiva que narra o tempo e as ações que a presença do Homem provocou na ilha da Graciosa. Particularmente aqui, a escassez de água levanta mais desafios na conservação da Natureza, pois em ambientes mais secos a regeneração da paisagem é mais demorada e delicada, com risco de insucesso elevado. Inúmeras e zidas mas sobretudo por força do pastoreio que efetivamente arrasou a flora natural e empurrou até ao extremo a área inexplorada pelo homem. A falta de água foi contornada com a construção de enormes reservatórios, atualmente obras arquitetónicas de valor histórico invulgar em Portugal e, sobretudo, muitíssimo bem integradas na paisagem. São construções rasas, revestidas a vegetação que acolhem a paisagem envolvente sem a brutalidade dos reservatórios elevados e muito agressivos visualmente frequentes no continente.

Imagem 2

No extremo oposto da ilha, que a forma redonda dificilmente deixa perceber onde começa e termina, encontramos a fusão imaculada da
arquitetura com a paisagem. Aqui, a leitura remete claramente para um tempero tropical. A vegetação não é luxuriante na ilha da Graciosa, a mais seca do arquipélago, mas tem seguramente uma fortíssima nuance das povoações e aglomerados populacionais que os portugueses ergueram no Brasil. Entre as poderosas fazendas do império e os casarões nobres da ilha, nada se distingue. Por detrás desta soberba arquitetura corretamente preservada, estão uns imponentes Metrosideros excelsa de porte estrondoso, que, mais uma vez, nativos da Nova Zelândia, encenam a histórica imagem tropical da América do Sul, que se respira em São Mateus. Não há em todo o Portugal paisagem tão suspensa na história como em toda a ilha da Graciosa. É aqui que se nota, de modo vivido e espontâneo, o período romântico que fez do nosso País um paraíso de bom gosto arquitetónico e paisagístico.

Não são vulgares os exemplares tão bem desenvolvidos e de tal porte como estes três plantados alinhados que, a meu ver, revelam um bom gosto raro de se encontrar. Parece-me que o remate com os pequenos exemplares de Washingtonia robusta a marcar a perspetiva da área ajardinada está pensado com conhecimento sobre desenho de jardins e não meramente como jardineiro entusiasta. Os três exemplares de Ravenea rivularis têm seguramente proveniência de um horto de plantas tropicais local de grande qualidade.

Esta coleção é notável e enriquece o elenco de ornamentais exóticas que guardamos no nosso País, com as ilhas açorianas a desempenhar um papel muito relevante nesta lista.

As palmeiras, nativas do sudoeste de Madagáscar são viciadas em água, tendo a capacidade de se estabelecer em zonas alagadas. Porém, mostraram também a capacidade oposta de sobreviver em ambientes bastante secos e desidratados a ponto de se tornarem uma das mais versáteis de toda a família. Têm, por vezes, alguns problemas de assimilação de nutrientes o que causa uma aparência amarelada enquanto se espera que brilhem pelo seu verde luminoso em pleno sol. Crescimento rápido se tiverem acesso a muita água e uma vez o estipe bem formado. Capazes de suportar o frio do litoral continental português em toda a sua extensão geográfica, uma boa notícia para os jardins tropicais mais setentrionais de Portugal. Aqui uma imagem belíssima, inusitada por mera falta de popularidade da espécie e interesse dos hortos na sua comercialização. O custo elevado de aquisição merece definitivamente a escolha.

Imagem 8

Espécie amplamente conhecida, prontamente identificada e orgulhosamente amada, a Dracaena draco não é de todo consensual na informação que até à data, dela se consegue confirmar. Sempre que vasculho saber um pouco mais sobre esta espécie, descubro mais confusão e contradição nas alegações que se tornam públicas (imagem 8). Vou seguir as teorias de Kew que refutam a sua distribuição nativa das ilhas portuguesas da Macaronésia e dividem-na em pelo menos três subespécies, apoiadas nas divergências de crescimento e morfologia dos exemplares que têm origem em regiões sul do Marrocos atlântico (Dracaena draco subsp. ajgal), nas ilhas da Grã-Canária e Tenerife (Dracaena draco subsp. draco) e das ilhas de Santo Antão, Fogo e São Nicolau em Cabo Verde (Dracaena draco subsp. caboverdeana). 

Os exemplares existentes no arquipélago dos Açores e na ilha da Madeira são considerados introduzidos e não nativos. Aqui a colisão na defesa da sua geografia nativa levanta celeuma. Parece, porém, que é unânime, pelo menos não ser oriunda originalmente de nenhuma ilha açoriana. Contudo, trago aqui o excelente exemplo de como se tornou uma espécie culturalmente integrada na identidade daquelas paisagens, sendo quem capaz de contrariar e insistir na sua presença como motivo de remoção por ser exótica à vegetação nativa?

Um bom assunto para se fazer comparar quando fortes vozes acusam a flora ornamental alóctone, como as palmeiras, alvo de missão incondicional de controlo e até erradicação da paisagem nacional. Enfim, um profundo e complexo tema que aqui não faz qualquer sentido, dada a extraordinária beleza que estes exemplares oferecem como plantas de porte arbóreo de alinhamento urbano, prática única no território português e que tem na vila de Santa Cruz da Graciosa a melhor exibição e enquadramento. O crescimento é moderadamente lento até à primeira floração, a partir do qual inicia a ramificação em forma de chapéu, cada vez mais lento até atingir um porte monumental durante um período longuíssimo de vida. É defendida a existência de um indivíduo cortado no século XIX, em Tenerife, com 6000 anos de vida. Entre nós o mais idoso exemplar vivo terá pelo menos de 250 anos, no Jardim Botânico da Ajuda.

Imagem 9

Outro remate que me despertou interesse é o modo como a população da ilha cultiva esta bromélia, sem o paradigma de a considerar “planta do ar” e, consequentemente, pendurá-la sem qualquer outra opção que na realidade é sempre a menos real se considerarmos o comportamento do desenvolvimento desta espécie em ambiente selvagem; cresce sempre sob um hospedeiro orgânico ou um suporte inorgânico, ao qual se fixa através das suas raízes cuja única função é a fixação. Portanto, permitir que a planta baloice por força de correntes de ar diminui a velocidade de crescimento, além de a expor a uma desidratação excessiva, sobretudo no período de maior calor. Esta espécie vive em climas muito húmidos, em locais com extrema drenagem. Privada de humidade entra rapidamente em estresse com retração no crescimento. No continente português, generalizou-se a ideia totalmente errada de que a espécie sente-se confortável sem água. Não é nem uma suculenta, nem tem grande capacidade de atravessar períodos prolongados privada de água e, principalmente, de humidade. O risco de
secar e morrer desidratada é elevado tal como rapidamente apodrece se em contacto com água estagnada por mais de um dia (imagem 9).

Na ilha, pude verificar como a população faz uso das graciosas formas que a Tillandsia aeranthos oferece, quando plenamente estabelecidas e sossegadas em local estável. Num dos casos, cumpre inclusivamente a função e forma que, habitualmente se recorre ao Buxus, muito por força da sua apresentação muito regular e uniforme. A linguagem de estilo dos jardins de gosto clássico tem nas ilhas uma aplicação fervorosa, muito presente e expressa com o uso de espécies alternativas, populares entre os locais, que souberam substituir as espécies tradicionais usadas nos jardins do continente europeu por um leque de espécies ornamentais muito bem-adaptadas e estabelecidas na paisagem das ilhas.

Tillandsia aeranthos cuja distribuição nativa cobre os estados de São Paulo até ao sul do Brasil, norte da Argentina, Uruguai e Paraguai, onde surge popular e presente frequentemente a acompanhar a ação humana. Cresce com muito vigor formando largas colónias de modo epífito sem hábitos parasitários. Na região nativa, será talvez tão vulgar encontrá-la sobre suportes inorgânicos como em hospedeiros vivos, como troncos e ramos. É uma curiosidade para a qual não vejo explicação aparente, o seu crescimento quase exclusivo, em espaço geográfico continental e açoriano, praticamente somente como rupícola. Embora as condições ecológicas nas ilhas sejam ideais para o seu alastramento rápido e bem estabelecido, em qualquer suporte, não a encontramos, tal como nas regiões nativas, a desenvolver-se sobre fios e cabos aéreos nem em ramificações. A acontecer, seria absolutamente surpreendente poder assistir ao cenário epífito de uma árvore ornamentada com colónias de Tillandsia aeranthos. As belíssimas colónias que encontrei na ilha da Graciosa chamaram à atenção pela pujança e volumetria
de centenas de indivíduos que vão dominando paredes de alvenaria ou pedra, cravando as suas raízes que servem exclusivamente de agarre ao hospedeiro. Os movimentos no crescimento dos grupos de plantas parecem formar grinaldas naturais tão graciosas que poderiam levantar a dúvida se seriam ou não conduzidas.

Imagem 10 – Tillandsia aeranthos

Em paredes de pedra, formam encantadoras bolas espessas de um verde levemente cinzento que parece ter sido escolhido para delicadamente contrastar com elegância na pedra vulcânica. A estética no conjunto arquitetónico desta vila de São Mateus é de tal forma cuidada que notei, também, como as fachadas são inspiradas nas cores naturais da paisagem graciosense. O cuidado visual na panorâmica da paisagem natural e arquitetónica da ilha ganha, assim, um espeto extraordinariamente único na harmonia e equilíbrio estético no bom convívio entre a presença humana e a Natureza.

Imagens raras para um visitante atento e apaixonado por Arecáceas como eu, ver a população de Phoenix plantadas em jardins privados é perceber como são amadas, tal como eu sinto.

Os cultivares, que nunca foram as minhas preferências, têm nestes exemplares o meu maior favoritismo. Torna-se quase impossível deslindar qual o parentesco que fez resultar as extraordinárias palmeiras, aqui registadas. A possibilidade de serem o cruzamento entre a Phoenix roebelenii com a P. reclinata é forte, embora jamais conseguiria confirmar. Os frutos são muito semelhantes à primeira e as folhas aproximam-se da descrição da segunda. O estipe é, talvez, o mais interessante neste cruzamento, pois, curva-se ao sabor do vento, aludindo, na paisagem, aos mesmos recortes icónicos dos Cocos nucifera em qualquer praia paradisíaca. Quem não tem, no seu imaginário, o paraíso descrito no coqueiro deitado sobre água cristalina?

Eis a possibilidade de montar um jardim cénico de gosto exótico tropical com estes cultivares extremamente rústicos capazes de vegetar em
zonas costeiras do nosso País, onde as temperaturas mínimas são expressivas e prolongadas. Creio que o sucesso seria garantido na comercialização destes exemplares, facto que não deixa de ser surpresa não acontecer. Pelo menos a procura seria garantida pela elegância rara que apresentam. Na ilha da Graciosa, a população de cultivares de Phoenix excede a existência de P. canariensis, algo inusitado e que transforma a paisagem desta incrível ilha com episódios paisagísticos distintos do que nos habituámos com as demais ilhas da Macaronésia (imagens 12 e 13).

Imagem 12

Em Lisboa, existem alguns exemplares cruzados entre espécies de Phoenix, com a nota de serem capazes de resistir à destruição causada pelo escaravelho-vermelho, embora nenhum elegível na elegância quanto estes.

Provavelmente a mais emblemática árvore introduzida na paisagem do nosso País, cuja aceitação é unânime e acolhedora de bons julgamentos quando dela se fala. E fala-se habitualmente mal, somente na sua descrição, designando-a de pinheiro que não é. A Araucaria heterophylla foi descrita pelo botânico português Franco, que a celebrou honrando a ciência botânica nacional. Originária da Ilha australiana de Norfolk, no Pacífico Oriental, entre a Nova Zelândia e a Nova Caledónia, os seus exemplares crescem até uma altura de 50-65 metros, com troncos verticais e ramos simétricos, mesmo em zonas em que os ventos são muito fortes. Alguns indivíduos apresentam desequilíbrios na simetria, possivelmente por danos acusados por intempéries em árvores mais debilitadas e envelhecidas. Apesar de a maior da Europa se encontrar na ilha de São Miguel, as que compõem a coleção da vila são absolutamente majestosas, e é magnífico assistir ao meticuloso cálculo no plantio de cada exemplar em meio urbano. A incompatibilidade, tantas vezes gritante, por opção errada do Homem na escolha de locais impróprios para o seu desenvolvimento são, não acontece aqui. A paisagem que se avista de longe está delicadamente alinhada com o casario, assinando a identidade da vila de Santa Cruz da Graciosa. Uma exótica introduzida pela primeira vez na Europa, no parque Monteiro-Mor, ao Lumiar, em Lisboa – cujo primeiro exemplar ainda sobrevive – é indiscutivelmente descritora da cultura açoriana. Esta linguagem defende em voz alta, das correntes demasiado puristas que exigem a devolução da paisagem às espécies estritamente autóctones. Imaginar a visão das ilhas sem os imponentes exemplares de araucárias é apagar de modo grosseiro a cultura local. Agreste, recortada e embrutecida, a paisagem de Porto Afonso narra a estreita afinidade visual com todas as ilhas da Macaronésia. Parece ser uma questão de assinatura do agrupamento dos arquipélagos de Cabo Verde, Canárias, Madeira e Açores, que a lava definiu.

As cores intensas de terra una às cores brilhantes que nascem entre as ondas do mar metem-nos na mente alguma desordem se quisermos identificar, sem fonte, de qual dos arquipélagos se trata.

Imagens 15 – Araucaria heterophylla

O lugar é um palco da Natureza que avisa quão bela é a sua expressão mais brutal. As formas polidas pelo vento e mar foram expelidas por
vulcões irritados, a origem das ilhas afortunadas. A vegetação é esparsa e por isso se torna mais evidente a sua presença perante o esmagamento do imenso cenário geológico. Comunidades de Tamarix africana nativa da Argélia, ilhas Baleares e Canárias, Córsega e França continental, Itália, Líbia, Marrocos, Portugal, Sardenha, Sicília, Espanha e Tunísia foram introduzidas nas ilhas açorianas compondo aquela imagem de aridez das paisagens costeiras do Mediterrâneo, na Graciosa. A Yucca gloriosa, nativa do sudeste dos Estados Unidos, desde os estados da Carolina do Norte até à Florida, estabeleceu-se de forma subespontânea, sem altura, massacrada pelas fortes correntes de vento. São ambas espécies alóctones que dão ritmo a esta paisagem despida e exageradamente estéril. A presença destes exemplares repõe o equilíbrio visual harmonioso que remata a paisagem global natural, sem, a meu ver, trazer prejuízo ambiental preocupante. A paisagem também é relato da vontade e ação do Homem, se bem que conjugada com a voz e expressão da Natureza selvagem.

As decisões do Homem que interveio na paisagem da ilha são notabilizadas pela sua beleza instantânea. Se a força monumental da estética
natural diminui o risco de tornar qualquer lugar menos atraente, é verdade – e emociona assistir a uma fusão irrepreensível das escolhas plantadas pelo Homem – que este brilhou; as estradas alinhadas com árvores esculpidas pelo vento que souberam os homens respeitar revelam o nível mais alto de um processo de leitura íntima com a paisagem. Os ramos estilosos não rasgam, mas definem o horizonte, dando-lhe o movimento que falta nos caminhos asfaltados. São quadros vivos, no estado de arte mais incrível das paisagens nacionais. A possibilidade de nos sentirmos inseridos numa tela de pintura imensa exposta num museu ao ar livre é afinal, aqui real.

A beleza é difícil de descrever, pede-se que se inspire e suspire por consequência. No túnel da Furna do Abel, encontramos uma gruta ou tubo de lava de grande comprimento percorrida por um surpreendente agrupamento de Selaginella kraussiana (imagem 18), que, ao longe, forma um fantástico tapete virgem, onde ninguém perturba o frágil crescimento invulgarmente ereto desta espécie. A proteção que a geomorfologia da cavidade apresenta permite às plantas erguerem-se sem o risco de derrube, já que a reduzidíssima movimentação de ar, e sobretudo vento, favorece este difícil comportamento, em busca ativa de luminosidade. Uma obra intacta da Natureza que testemunha a vulnerabilidade deste lugar, absolutamente intocado pela ausência de pisoteio e perturbação humana. A espécie tem uma distribuição nativa um pouco difícil de se compreender já que abrange uma vasta área da África Austral desde Angola, Burundi, Camarões, Congo, Guiné Equatorial, Etiópia, ilhas do golfo da Guiné (inclui São Tomé), Quénia, províncias do Cabo e KwaZulu-Natal, Maláui, Moçambique, Ruanda, Serra Leoa, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Uganda, Zaire e Zimbabué. Contudo, também tem a Macaronésia como região nativa, incluindo a Madeira, Canárias e Açores, onde alguns autores defendem a sua ocorrência de forma natural. Uma discussão muito acesa mas, a ser defendida como nativa, tal como Kew difunde, surge a dúvida como tem origem em regiões geográficas interrompidas por uma boa área do continente africano. A espécie é bastante popular como planta de vaso em hortos e hipermercados, tendo escapado em países frios da Europa do Norte como a Bélgica e a Alemanha, assim como Portugal, Espanha ou Itália e muitos países do globo de climas quentes e tropicais. A rusticidade desta espécie parece espantar dada a sua aparente fragilidade. Na gruta também o registo da presença da Tradescantia fluminensis, do sul do Brasil, Paraguai, Uruguai e norte da Argentina, uma espécie que se estabeleceu plenamente em todo o território português, escapada do cultivo doméstico. Do que precisa para sobreviver? Ao que parece, de luz filtrada, de terrenos muito humedecidos e de não ser perturbada.

Imagem 18

O poço até à Gruta ou Furna do Enxofre é uma notável exibição de pteridófitas – um grupo de plantas sem sementes e com esporos que possuem como representantes principais os fetos e avencas. O acesso ao interior desta gruta faz-se por escada em caracol que se prolonga por 183 degraus através de uma torre com 37 metros de altura, datada de 1939. Aqui a Natureza inspirou o Homem a desenhar os jardins verticais, atualmente em prática, e sente-se o ambiente vivido na Estufa Fria de Lisboa. Os vários andares do poço vão reduzindo a luminosidade no seu interior e, por consequência, a profusão de plantas à medida que descemos até ao interior da gruta. Sem movimentação de ar, os exemplares que brotam no fundo da galeria levantam-se confiantes da inexistência de agentes que as derrubem, como o vento ou a intensa chuva. Parecem leques abertos para possibilitar a maior exposição possível das suas folhas à luz filtrada que chega ao solo. Debaixo para cima a visão da vegetação em contraluz é um cenário extraordinariamente único.

Antes de chegar à maior atração natural da ilha, o percurso até ao interior da terra é tão longo quanto deslumbrante. Daqui até ao final desta
aventura, o tempo, que aqui corre lento, torna-se denso, preenchido por estímulos visuais reais que deixámos de nos habituar a ver ao vivo. Os cenários vão-se desdobrando poderosamente, as paisagens são imensas, as emoções intensas num íntimo convite com a Natureza profunda. O deslumbramento apodera-se de nós, obriga-nos a desacelerar para entrar no ritmo suave da Natureza.

Cada passo é expectante no monumento natural da Caldeira (imagens 22 e 23).

Desfiladeiro prolongado que nos obriga a um caminho sinuoso levemente velado, afogado na vegetação imersa nos sons dos pássaros, que, ao
cantar, tornam o vale ainda mais encantado. A passagem até ao centro de interpretação é uma lição de moral perante as agressões que no nosso planeta o Homem desfere à Natureza, tamanha é a bênção que dela recebemos. A arquitetura do edifício do centro de interpretação entra no auge da harmonia que é possível ler entre a presença humana e a paisagem, especialmente num património natural incomensurável como este parque. A consagração da perfeição parece encontrar-se aqui mesmo.

No lugar da Caldeirinha, a cratera parece engolir um manto vegetal que veste o movimento circular suspenso desde há milhares de anos.

Imagem 23 – Entrada da Gruta do Enxofre.

A vegetação autóctone desenvolve-se com a mesma liberdade de quando os primeiros povoadores ali chegaram e viram a ilha imperturbada. A comunidade de Erica azorica é extensa. Parecem exemplares de folhagem frágil e fofa, visualmente, mas ao toque são ásperas e hirsutas,
preparadas para a aridez ecológica da Graciosa, que se revela, de certa forma, um desafio num arquipélago tão pluvioso. Outros agentes meteorológicos também agressivos, como o vento, desequilibram a capacidade das plantas de reter humidade. Esta espécie adaptou-se a estas condições sendo inclusivamente um endemismo.

As ilhas inabitadas até à sua descoberta são a razão lógica de todos os símbolos e evidências culturais serem relativamente recentes. As estruturas militares e os templos são as peças mais antigas, as que sobreviveram à intensidade sísmica que frequentemente afeta a região. O exotismo da identidade cultural dos Açores sublinha-se, nos finais do século XVIII, com inúmeros exemplos de fusão de influências e aculturação que deram origem a uma imediata e indubitável identidade açoriana. São os moinhos característicos da ilha Graciosa, «sendo os mais usuais os de estilo nórdico cuja cobertura bolbosa segue o esquema dos moinhos suecos e ingleses e não a dos holandeses, como  usualmente se diz», e terá, segundo o Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, «chegado aos Açores no século XVIII e XIX em sequência do comércio da laranja com a Inglaterra». Outro serão os impérios de influência oriental, embora «não se possa esquecer ainda as correntes estilísticas prevalecentes aquando da construção da maioria dos Impérios, já que no século XIX prevalecia o ecletismo, conciliando os vários revivalismos estilísticos. Tal levou à criação de uma tipologia distinta das demais construções, reproduzida sistematicamente no século seguinte e raramente se rompeu, mesmo nos exemplares mais recentes do século XX».

Por fim, a arquitetura alentejana replicada com as fiéis chaminés típicas do sul continental português. Todas estas fantasias deram décor e assinaram a paisagem açoriana que viu na vegetação abraçar a mesma aculturação. Olhar no horizonte o porte de espécies exóticas monumentais como a magnífica estrutura da Euphorbia ingens – ou E. candelabrum, nativa de Angola e que muito faz sentido ter sido trazida por açorianos que daquela região plantaram memórias – ou das folhas plumosas da Phoenix canariensis, de origem próxima, contribuem para o recorte do horizonte da paisagem açoriana no contraste luminoso do imenso oceano e do volumoso céu sempre esculpido de nuvens. Não pode haver distanciamento destas presenças alóctones nestas paisagens ou a própria identidade cultural vegetal histórica das ilhas arrisca-se a esvaziar-se da forte beleza que atualmente nos traz (28).

Imagem 27 – Euphorbia ingens, Yucca gloriosa,
Agave attenuata, Aloe arborescens e Hibiscus
rosa-sinensis.

Ainda o registo de duas espécies alóctones cuja distribuição natural é o sudeste dos EUA, desde o estado da Carolina do Norte à Florida, para a Yucca gloriosa, e o Phormium tenax, oriundo da Nova Zelândia, as quais ocorrem de modo natural na ilha da Graciosa.

Ambas exóticas, a primeira tem presença comum em todo o Mediterrâneo até Portugal continental e também nas ilhas britânicas, enquanto a segunda foi introduzida em praticamente todas as ilhas atlânticas de influência inglesa, incluindo a Irlanda e a própria Inglaterra, bem como o México atlântico e a Guatemala. Longe de se tornarem uma ameaça para a vegetação autóctone, correm o risco de serem listadas como invasoras no arquipélago dos Açores, embora sem qualquer dúvida, imponham um reforço estético na paisagem de pastagem tipicamente despojada e que com estes exemplares ganham dinâmica e referências de interesse estético no conjunto e no horizonte. Uma interpretação que acende opiniões de valorização destes apontamentos de espécies introduzidas enquanto outras opiniões mais puristas defendem a sua erradicação. Seja sobre qual perspetiva haja mais ou menos apoio, é factual a estética inegável da paisagem que estes exemplares complementam.

O caso da Agave americana, que, por conclusão, aprecia grandemente a elevada humidade do ar e pluviosidade, tendo manifestado um desenvolvimento muito rápido e plenamente estabelecido nas ilhas a ponto de ser tornar uma ameaça botânica. A particularidade desta partilha foca-se no aproveitamento pleno que os exemplares fazem da abundância hídrica quando na região nativa, ocorre precisamente o oposto. Assim, revela esta espécie uma invulgar capacidade de se adaptar a condições ecológicas opostas. Ver exemplares que são, de origem, xerófitos, numa paisagem açoriana constantemente verde, é um momento de excitação. Além de muito belo.

 

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