Os jardins de sequeiro são cada vez mais procurados e na Península Ibérica possuímos variadas técnicas e conhecimentos ancestrais que podemos resgatar!
Convivemos diariamente na nossa paisagem com uma flora incrível, muitas das vezes por reconhecer. Poderemos beneficiar a flora mediterrânica se aprendermos a valorizar a resiliência e beleza, reconvidando-a para os nossos jardins e espaços verdes. A Península Ibérica herdou um legado combinado de vários povos que por aqui passaram, nomeadamente aquele deixado pela cultura árabe que aqui dominou durante cerca de oitocentos anos, com inovadoras técnicas agrícolas, variadas introduções hortícolas e uma visão muito própria para os espaços ajardinados (que muito marcou a configuração e princípios das quintas de recreio em Portugal).
Contudo, infelizmente decorre um progressivo abandono destes saberes e técnicas, nomeadamente de aproveitamento de água por coleta e distribuição por gravidade, verificando-se nos dias de hoje a quase inescapável tendência de instalação de sistemas de rega automáticos. Além do referido, na Europa a partir do século XVII, durante muito tempo e de uma forma generalizada, houve prevalência de influência de estilos de jardinagem provindos de regiões de clima temperados húmidos sem estação seca.
Como tal, nas regiões mais a sul, o hábito de produção e utilização de plantas nativas adaptadas à estação quente e seca não desenvolveu expressão equivalente, gerando assim uma horticultura e jardinagem que canaliza o seu conhecimento e arte para plantas com necessidades completamente diferentes dos locais de plantação. Tal situação resulta na necessidade numa dependência em recursos externos para manter a vitalidade e aspeto das plantas.
Os jardins de sequeiro ou secos em contexto de clima mediterrânico
Na sua essência, são jardins onde raramente é necessário regar após o primeiro ano de estabelecimento das plantas (desde que continuem a existir as chuvas típicas outonais e do inverno), por estarem maioritariamente constituídas por plantas de clima mediterrânico ou de regime de estação seca. Um jardim deste tipo só se consegue com a escolha de plantas adaptadas a um clima com verão seco e compondo-as de modo a que criem mutualismos benéficos (com recurso a consorciações, alelopatia, proteção contra os elementos meteorológicos, etc.)
É importante atender ao comportamento de dispersão de cada espécie escolhida, seja na escolha de espécies mediterrânicas de outras regiões do mundo, e mesmo em algumas endémicas, para evitar assim a utilização de espécies potencialmente invasoras e transformadoras da paisagem.
Optar por um jardim seco
A principal razão para se optar por um jardim seco vai no sentido da preservação consciente da água, recurso natural precioso e limitado. Como qualquer recurso escasso, o seu valor económico dilata e, a nível mundial, as alterações climáticas têm vindo a aumentar o período de seca em diversas regiões. Além dos aspetos mencionados, um jardim seco faz parte do ambiente natural mediterrânico, providenciando uma estética sazonal muito rica e variada ao longo do ano. A redução de certas operações culturais de manutenção extensivas que requerem muito tempo na mesma tarefa, como, por exemplo, o corte de relva no verão, abre caminho para uma gestão do jardim mais atenta aos pormenores e qualidade estética.
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As singularidades do clima mediterrânico e adaptações botânicas
Clima característico de cinco regiões dispersas pelo globo, sendo elas a Califórnia, o Chile, o cabo ocidental da África do Sul, a bacia do Mediterrânico e litoral sudoeste da Austrália. Porém, aquilo que as distingue das restantes regiões de clima temperado é a estação quente coincidente com o período de seca, podendo esta variar entre um e quatro meses. Mais curioso ainda é notar que estas regiões se encontram normalmente no litoral oeste de grandes massas continentais, com exceção da bacia do Mediterrâneo, que abrange toda uma região terrestre adjacente a norte e noroeste do mar com o mesmo nome que batiza este clima. Estas regiões encontram-se apenas entre 30º e 45º de latitude, tanto no hemisfério norte como sul.
Devido a condições únicas, nestas regiões desenvolveu-se uma flora com características e estratégias de hábito muito similares, dado que teriam de adaptar o fenótipo às condições duras do verão, solos pobres, fogos frequentes e ao mesmo tempo conseguirem subsistir e/ou garantir a sobrevivência durante etapas muito diversas ao longo do ano. São autênticas “ilhas de biodiversidade”, no sentido em que se encontram confinadas entre uma massa de água e zonas desérticas e, além do mais, estão todas no topo das 25 regiões globais de elevada biodiversidade. O facto de o clima mediterrânico estar destinado a “desaparecer e reaparecer” entre ciclos glaciares, significa que os seus géneros botânicos têm pouco tempo de existência (numa escala geológica de compreensão do tempo). São também bastante fáceis no cruzamento entre espécies da mesma família, levando a uma grande promiscuidade genética. Este último detalhe pode ser facilmente observado, por exemplo, na profusão de espécies na família Lamiaceae e facilidade em se hibridizarem ou então na dificuldade de distinção de alguns Quercus spp. por demonstrarem no mesmo indivíduo fenótipos de espécies diferentes.
Em suma, algumas das principais singularidades de plantas de clima mediterrânico (baseado em WALKER, Timothy 2016):
- Elevada diversidade de espécies, distintas de outras regiões com outros climas, detentoras de características peculiares como folhas/ou caules especializadas na retenção de água.
- Estomas pequenos, em menores concentrações, ou mais encaixados (protegidos).
- Elevada concentração em compostos voláteis – óleos essenciais, taninos ou resinas (grande variedade de aromáticas por exemplo).
- Elevada tolerância para com fogo, solos pobres (toleram bem solos pobres e escassez hídrica sazonal).
- Impressionante engenho morfológico e fisiológico a fim de obter nutrição ou então na reprodução (promiscuidade genética) e controlo de temperatura (caso da arquitetura dos órgãos subterrâneos das geófitas, rizomas e lignotúberculos).
- Vulnerabilidade perante espécies botânicas com elevado carácter competitivo – invasores.
Como sobrevivem sem água no verão?
Os bolbos e as flores anuais de primavera normalmente perdem a parte aérea (caules e folhas) após a floração, mantendo a parte subterrânea (bolbos, rizomáticas ou herbáceas vivazes), ou então produzem sementes para a seguir findar (anuais) quando o calor do verão começar a aumentar. As plantas mediterrânicas resistem ao calor porque a altura de crescimento normalmente ocorre entre o outono e a primavera, épocas de esperada pluviosidade. No verão, deixam de crescer. A variedade de folhagem e estrutura significa que muitas plantas mediterrânicas têm interesse mesmo quando não estão em flor.
Rega reduzida
Algumas plantas de clima seco podem rapidamente murchar e morrer se forem regadas no verão, com a agravante de, mesmo que não morram inicialmente, podermos estar a sujeitá-las a pragas e doenças. Outras viverão, embora por um período relativamente menor que uma planta não regada. A rega frequente e pouco profunda interfere com o potencial desenvolvimento radicular, que, por ter pouco incentivo para expandir na procura de recursos, faz com que haja um desequilíbrio entre a parte aérea e a parte subterrânea. Existem, no entanto algumas, poucas, destas plantas que aceitam alguma água sem efeitos negativos, sendo importante ir observando as plantas locais, como se comportam no meio silvestre ou mesmo em jardins.
Alguns elementos importantes na instalação de um jardim seco
Durante a conceção e instalação do jardim deste género, é necessário ter em conta a preparação e proteção do solo. Um solo bem drenado e descompactado permite às plantas desenvolverem bem o sistema radicular, e evita o acumular de água junto às raízes (algo que contribui para doenças e encurtamento de vida). A fertilização e adubação aqui seguem princípios diferentes dos convencionados, pretendendo-se ajardinar de um modo mais aproximado aos processos ecológicos normais, utilizando os recursos naturais que permitam às plantas investir nas suas raízes no primeiro ano de estabelecimento. Deve-se evitar estimular o sobredesenvolvimento das partes aéreas, deixando que se estabeleça bem sem recurso a adubação e fertilização. Após o seu estabelecimento, poderá ser avaliado caso a caso (é aqui que entra a gestão de qualidade do jardim) se é necessário providenciar a(s) planta(s) com alguma fertilização.
Para mais informação sobre plantas e jardinagem em clima mediterrânico, pode contactar a Associação de Plantas e Jardins em Climas Mediterrânicos, também conhecida informalmente como a MGAP – Mediterranean Gardening Association – Portugal. Trata-se de um grupo de pessoas que partilham interesse em horticultura no clima mediterrânico, jardins, hortas e plantas.
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