Desde a minha primeira ida, estabeleci uma verdadeira relação de amor com estas paisagens agrestes e verdes.
A primeira vez que fui aos Açores foi num impulso de última hora, comprar um bilhete de avião e ir passar o meu aniversário, em agosto, na ilha Terceira. Atualmente detesto viajar em agosto; há muita gente por todo o lado e poucos lugares tranquilos.
Há 25 anos não se vivia, esta gentrificação globalizada dos lugares bonitos do planeta, apenas um pouco mais de confusão durante o verão e nos aeroportos mas era pacífico metermo-nos num avião e chegar a outro lugar, mudar de ares e de paisagem. Fiz questão durante alguns anos de celebrar o meu aniversário sempre num lugar diferente.
Agora cansei-me e prefiro a paz do meu jardim/selva a transbordar de vida; o burburinho existe, mas não me cansa, nutrem-me o zumbido das abelhas e dos abelhões, o bater delicado duma asa de borboleta, o chilrear dos pássaros, a brisa da tarde nas folhas da tília em cuja sombra me sento na companhia de um bom livro no dias quentes de verão. O mar ao longe embala-me o sossego dos dias, inspira-me, apazigua-me a alma.
Continuo a gostar de viajar mas cada vez menos de avião e sempre em contracorrente, ou seja, na suposta época baixa, fora dos períodos de férias de alunos e professores, mas chego à triste conclusão de que afinal agora há muito mais gente a viajar o ano inteiro.
Veja o vídeo:
Paisagem açoriana
Desde a minha primeira ida aos Açores, comecei por estabelecer uma verdadeira relação de amor com estas paisagens agrestes e verdes mas já bastante humanizadas. Rapidamente descobri que afinal o verde dos pastos e as vacas não são autóctones e que este verde vibrante e sempre viçoso se deve aos apoios que os agricultores têm na aquisição de adubos e fertilizantes de síntese que poluem não apenas os solos mas as lagoas e os caminhos onde com bastante frequência nos cruzamos com sacos de plástico de 20 litros vazios com as siglas ADP.
Lamento não partilhar da ideia dos Açores que a maioria das pessoas tem no imaginário romântico da paisagem insular. Nem vacas, nem hortênsias, nem criptomérias; nada é de lá.
Ilha de Faial
Depois da ilha Terceira, comecei a ir com alguma regularidade ao Faial, para dinamizar passeios e oficinas sobre plantas medicinais e especiarias a convite do Jardim Botânico do Faial. Neste jardim botânico podemos encontrar a mais completa exposição de plantas endémicas e um banco de sementes. Aqui podemos conhecer as plantas mais raras da ilha, bem como as culturas agrícolas históricas, um orquidário e uma coleção de plantas medicinais e aromáticas.
Pico e São Jorge
Depois do Faial, passei uns dias no Pico e em São Jorge. Explorei parte do Pico em bicicleta, não subi à montanha/vulcão mais alta de Portugal (2351 metros), seguida da Serra da Estrela (1993 metros) e o Pico Ruivo na Madeira (1861 metros).
Em São Jorge, andei a pé, a embrenhar-me por caminhos de Laurissilva, entre serras e fajãs, entre conteiras, louros (Laurus azorica) e urzes (Erica azorica), entre faias e dragoeiros, fetos e musgos.
São Miguel e as Furnas
A ilha que melhor conheço e onde vou mais vezes é, no entanto, São Miguel, muitas vezes a convite da Associação Ecológica Amigos dos Açores.
Se paro em Ponta Delgada, é apenas para visitar o Jardim José do Canto e o mercado, e daí rumar às Furnas.
Ao começar a descer para aquela vila construída dentro dos vestígios de uma cratera, é como se estivesse a nascer para dentro de uma paisagem profundamente telúrica. De repente sinto-me no Peru, na Tailândia, em Bali, na Polinésia. O verde é o mesmo, faltam os arrozais e os socalcos.
A vegetação luxuriante e de aparência tropical, o ar quente e o cheiro a enxofre envolvem-me, respiro fundo enquanto continuo a descer entre curvas e contracurvas. A paisagem de ribeiros acastanhados que alimentam os inhames que crescem nas suas margens, os vapores e fumarolas, os géiseres e aquele rosnar constante vindo das entranhas da terra fazem-me sentir num lugar estranho e ao mesmo tempo familiar, longínquo e interior de um planeta em ebulição, de um planeta que habitamos e que nos habita.
Entrego-me à experiência, mergulho mas águas quentes e férreas da Poça da Dona Beija, o meu corpo derrete-se entre cortinas termais, nutritivas, medicinais. Todas as dores se dissolvem. Renasço à luz das estrelas que cintilam entre neblinas escaldantes, papiros e fetos arbóreos. Recordo um tempo, não muito longínquo, em que as pessoas aqui eram escassas e respeitavam o silêncio das águas e a experiência quase mística de nos misturarmos nos fluidos da terra.
No dia seguinte, repito a experiência no magnífico parque do Terra Nostra. Piscinas, grandes e abertas e outras, pequenas, mais secretas e escondidas de águas férreas, quentes entre grandes araucárias e outras espécies gigantes de fetos e folhas. Tudo verde, húmido, muito verde, vários verdes, intensos, luminosos, cintilantes, gotejantes.
Se vou por pouco tempo, fico apenas por aqui a nutrir-me desta paisagem e a beber águas termais diretamente das nascentes, são cerca de 20. Todas estas águas têm sido estudadas e analisadas, variam entre sabores azedos, com e sem gás, sulfurosos, frescos. Cada uma com a sua especificidade no que respeita a propriedades medicinais. Tudo em mim se acalma e se dissolve em nevoeiros telúricos.
E as Sete Cidades? Para mim, é um lugar de visita onde nunca pernoitei mas aonde gosto de voltar, gosto de caminhar até lá partindo de um dos vários trilhos de cinco, oito ou mais quilómetros. Contemplar esta paisagem de cima é sem dúvida algo a não perder, mas estar lá em baixo, dentro dela e sentir-se abraçado por colinas verdejantes que circundam as águas e deslizam para dentro da lagoa que as acolhe e reflete, tudo isto inspira e convida a abrandar o ritmo, a respirar fundo, a agradecer e a transportar para dentro de nós todos os lugares belos do planeta. Lugares sagrados de comunhão profunda com a Natureza.
Falta-me conhecer as Flores, a Graciosa, o Corvo e Santa Maria antes que seja demasiado tarde, antes que a gentrificação e consequente banalização da beleza dos lugares seja destruída pelo impacto do turismo massificado e desrespeitador do que há de sagrado na contemplação e no silêncio de cada lugar.
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