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As urtigas de Porto Formoso

Plectranthus scutellarioides

 

Porto Formoso é uma freguesia do concelho da Ribeira Grande, no norte da ilha de São Miguel, cujo nome, segundo Gaspar Frutuoso, está associado a “uma formosa enseada de praia de areia”. Ocupa uma área de aproximadamente 12 km2 e, segundo o Censos 2021, tem uma população ligeiramente superior a um milhar de habitantes.

As plantações de chá, que alimentam uma das duas fábricas em laboração nos Açores, são uma das imagens de marca da paisagem deste formoso recanto da maior ilha do arquipélago dos Açores.

Mas não é do chá (Camellia sinensis) que vos quero falar. A motivação para este texto são as urtigas. Não aquelas plantas herbáceas com folhas urticantes (Urtica dioica), muito apreciadas pelas lagartas das borboletas e usadas em infusões. As urtigas de Porto Formoso são outras. Não irritam a pele, maravilham a vista com as formas e as cores das suas folhas.

 

Segundo José António Pacheco, num opúsculo publicado em 2012, o nome popular urtigas “como são conhecidas em Porto Formoso deve provir do inglês, onde são designadas por flame nettle ou painted nettle”.

 

Foram estas urtigas-flamejantes que me levaram a Porto Formoso no domingo 11 de setembro de 2016, na companhia do meu amigo micaelense Manuel Moniz da Ponte, para assistir à procissão da Senhora da Graça, padroeira da freguesia.

Confesso que a minha peregrinação foi mais motivada por razões botânicas do que por fervor religioso. Logo pela manhã lá estava a fotografar a criação dos tapetes florais, dos quais não sou grande apreciador pela delapidação de tantas flores, e, muito especialmente, os vasos de urtigas colocados carinhosamente à porta das casas em todos os caminhos por onde iria passar a procissão, ao longo de cerca de dois quilómetros.

Fotografei mais de mil vasos com urtigas da Senhora da Graça, deliciei-me com a profusão de cores e texturas das folhas daquelas plantas nativas do Sudeste Asiático (Java e Malásia), da família das Lamiáceas, cujo nome científico é Plectranthus scutellarioides, que também são
conhecidas por cóleos, tapete ou coração-magoado.

 

Plectranthus scutellarioides

 

Foi na década de sessenta do século passado que em Porto Formoso começaram a enfeitar as fachadas das casas com urtigas no dia da procissão em honra da Senhora da Graça, no segundo domingo de setembro.

Apenas neste dia os forasteiros e os portoformosenses têm oportunidade de observar os muitos cultivares de Plectranthus scutellarioides, criados por sementeira ou por estacaria e que se mantêm longe dos olhares bisbilhoteiros nos quintais nas traseiras das casas.

Foi com agradável surpresa que, na manhã de 11 de setembro de 2016, assisti à saída das urtigas pelas portas da frente e à sua colocação ao longo de todas as fachadas.

Foi, igualmente, com surpresa que ouvi chamar pelo meu nome quando estava absorvido a fotografar. Levantei a cabeça e, da varanda do primeiro andar, o senhor José Medeiros de Aguiar, filho de Porto Formoso e emigrante em Vancouver na costa ocidental do Canadá, disse-me que costumava ver os meus documentários sobre plantas na RTP Internacional.

Ficámos largos minutos a conversar sobre plantas e a dada altura o meu interlocutor informou-me de que na freguesia da Maia, que confronta a leste com Porto Formoso, tinha vivido e trabalhado durante muitos anos um médico madeirense, amante de plantas, que tinha criado uma mata ajardinada no sítio do Outeiro Redondo. Acrescentou que, após a morte do Dr. Fraga, em 1952, a propriedade tinha passado por um longo período de abandono e que, em 2005, o Governo Regional tinha adquirido o terreno e requalificado o espaço.

Fiquei-lhe muito agradecido por tão preciosa informação sobre um distinto conterrâneo, que eu desconhecia, e fiquei com enorme curiosidade em conhecer a Mata do Dr. Fraga.

Logo que passou a procissão, saí de Porto Formoso no carro do meu amigo Moniz da Ponte em direção ao Outeiro Redondo. Quando chegámos à Mata do Dr. Fraga, fomos informados de que estava prestes a encerrar, o que nos obrigou a fazer um périplo rápido. Foi a primeira de muitas visitas àquela herança viva de um madeirense.

 

Este artigo integra a rubrica “Natureza com ternura”.

 

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