Esta é uma atividade que faz sempre bem ao corpo e à alma.
Caminhar em paisagens deslumbrantes é mais enriquecedor quando juntamos ao espanto da beleza da paisagem a busca de plantas medicinais e ervas comestíveis e a descoberta dos conhecimentos locais e tradicionais, toda a experiência faz ainda mais sentido. Quando somos muitos a partilhar do mesmo entusiasmo e do mesmo propósito, sinto que estes retiros de plantas medicinais cumprem o seu papel de oferecer às pessoas algo que contribui para a sua felicidade, para a sua cultura, dando-lhes ao mesmo tempo uma ferramenta útil para a vida.
Já aqui escrevi sobre os retiros no Gerês no verão e no outono. Desta vez, venho contar-vos como foi esta aula andante no vale do Rossim, na serra da Estrela, na companhia de 23 participantes amantes de plantas, de pessoas e de paisagens. Este belíssimo vale, um dos mais importantes vales glaciares da Europa, situa-se nas Penhas Douradas, em pleno coração da serra, a uma altitude de 1437 m, e está inserido na Reserva Biogenética do Parque Natural da Serra da Estrela.
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Ficamos alojados perto de uma lagoa, esta lagoa agora formada, não existia antes da barragem construída sobre o leito da ribeira da Fervença. Localiza-se no município de Gouveia, distrito da Guarda. A barragem entrou em funcionamento em 1956 e encontra-se atualmente desativada.
Este local foi em tempos uma das melhores pastagens para os rebanhos de transumância, rebanhos que se juntavam por estas paragens desde o São João até às festas do Senhor do Calvário, em agosto. A paisagem de penhascos e vales profundos impressiona pelo seu misto de paisagem antiga com paisagem humanizada pela construção das barragens e o aprisionamento e encaminhamento da água que bebemos em Lisboa e em Coimbra.
“A nossa montanha é rica do ponto de vista hidrológico. Com efeito é berço de quatro rios: o rio Mondego; o rio Zêzere; o rio Alva e o rio Alvôco. O rio Mondego nasce a uma altitude de 1525 m no concelho de Gouveia e tem uma extensão de 258,3 km. É o quinto maior rio português e o primeiro com seu curso inteiramente em Portugal.
O rio Zêzere nasce a uma altitude de 1900 m na base do Cântaro Magro, tem uma extensão de 214 km e é o segundo maior rio inteiramente português.
O rio Alva nasce a 1651 m de altitude com cerca de 115,13 km de extensão e vai desaguar no rio Mondego.
O rio Alvôco nasce a partir de pequenas ribeiras do aglomerado montanhoso, sendo a principal a ribeira de Alvôco. Tem uma extensão de 30,7 km e desagua no rio Alva.
Estes rios beneficiam duas das três maiores bacias hidrográficas do nosso País: Mondego e Tejo.
O rio Alvôco é também considerado um dos rios mais limpos da Europa, mas a sua fauna e flora autóctones já são muito residuais devido à deflorestação crescente, agravada pela tragédia dos grandes incêndios florestais de outubro de 2017.” – Movimento Estrela Viva
Retiro das Plantas Medicinais
No primeiro dia contornamos os 4,3 km da lagoa entre blocos graníticos, redondos e lisos cintilando no sol de fim de tarde; o céu cinzento, carregado de impressionantes nuvens de chuva e de trovoada foi-se adensando à medida que avançamos deslumbrados com aquele imenso espelho de água que ia refletindo o céu e as rochas, aqui e ali pequenos e dóceis riachos deslizavam para os braços da mãe lagoa, alimentando-a com as suas águas límpidas. Bétulas, carvalhos, dedaleiras, cistus, salgueiros, giestas e urzes, algumas ainda em flor surgiam entre as frestas graníticas ou nas margens arenosas das águas. Musgos, fetos e zimbros derramavam-se sobre as pedras.
O zimbro é uma espécie muito comum nesta zona de altitude por ser muito resistente a nevões de inverno e ventos fortes.
“As suas bagas de cor negra, quando maduras, são utilizadas como aromatizantes alimentares devido ao seu óleo essencial. Na Antiguidade eram usadas para produzir o chamado ‘vinho de zimbro’, que deu hoje lugar à genebra ou gin. São também usadas para condimentar carnes e são consumidas por cabras e ovelhas. Além disso, as folhas e bagas do zimbro são também utilizadas na medicina tradicional, sobretudo pelas suas propriedades diuréticas e gastrointestinais.
Sabia que, na Idade Média, o zimbro era queimado para afastar a peste e porque se considerava detentor de poderes contra espíritos malignos?”
Continuando o passeio e já quase a terminar a volta da lagoa, o céu foi escurecendo cada vez mais, e relâmpagos velozes iam rasgando a escuridão das nuvens, logo seguidos de estrondosos trovões – lembrei-me da minha mãe que rezava à santa Bárbara nos dias de trovoada.
Tempo de apressar o passo. Só paramos no alto de uma colina para desfrutarmos do magnífico pôr do sol.
Ufa, apanhar uma molha logo no primeiro dia não era muito motivador. Ainda tínhamos mais três dias pela frente.
No segundo dia acordamos com uma manhã límpida e lembrei-me de um poema de Eugénio de Andrade. “Com o sol a trepar pelas árvores, não tarda que a manhã corra mais limpa e se possa beber.”
Esperavam-nos 8 km de planalto e trilhos de pastores até à aldeia de Sabugueiro. O dia começou soalheiro e límpido, mas aos poucos foram surgindo as fantásticas formações de nuvens atrás das montanhas, trovoada a aproximar-se e muita chuva no horizonte. Os caminhos da serra tão atapetados de cor-de-rosa; tínhamos de pousar os pés com muito cuidado para não pisarmos as delicadas flores de Colchicum. Elas esperavam mais chuva, mas nós não. Muitos carvalhos no caminho, alguns sabugueiros e muitos esqueletos de pinheiros que num passado não tão longínquo as labaredas lamberam, devorando o verde que encontraram e deixando a terra seca, o solo quente e empobrecido de tanta cinza e tanto calor. No entanto, é impressionante como a Natureza resiste e se regenera, dando oportunidade aos fetos, giestas e urzes; plantas pioneiras, resilientes e úteis no processo de regeneração, elas vão repovoando a paisagem e criando manchas de verde entre o preto das memórias ardidas.
O céu desabou sobre nós, e rios de água escorriam pelos caminhos onde outrora as raízes das grandes árvores seguravam as terras impedindo as enxurradas.
Ficaram mais dois dias de passeios por contar. Prometo voltar com histórias desta paisagem, de sorveiras, vidoeiros e bordos que povoam a serra.
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