Agricultura inclusiva, harmoniosa, equilibrada e equilibrante, onde os solos, as plantas, as pessoas e os animais são todos tidos em conta e tratados com todo o merecido respeito. Este é o desafio que deve viver dentro daqueles apaixonados pela natureza e pela vida rural.
A primeira vez que me deparei com uma paisagem alentejana bastante alterada foi há cerca de seis, sete anos ou talvez mais. Conduzia o meu carro na estrada que liga Beja a Serpa quando comecei a aperceber-me de campos de cor verde-acinzentada de folhagem muito cerrada.
Aquilo pareciam-me mais arbustos do que árvores, eram quilómetros e quilómetros de uma terra desprovida de herbáceas. Um sistema de rega à volta desta estranha vegetação e eu sem conseguir identificar as ditas plantas devido à distância que me separava dos campos.
Olival intensivo
Parei o carro na berma da estrada e qual não é o meu espanto quando, ao aproximar-me percebi que eram oliveiras (Olea europeae). Essas mesmas. Foi o meu primeiro encontro com um olival intensivo.
Fiquei triste e algo dentro de mim sabia que aquilo era o começo de uma nova era de destruição da paisagem alentejana tal como eu a tinha conhecido.
Era o início do fim do montado, um ecossistema único, particularmente rico em fauna e flora, um dos mais ricos em biodiversidade, autossustentado e muito equilibrado, onde tudo coexiste numa rede natural de apoio entre espécies; árvores, arbustos, herbáceas, insetos, mamíferos, aves, etc.
O sobreiro é o rei do montado, acolhendo na imensa manta que se tece à sua volta uma riquíssima fauna e flora onde amigavelmente coexistem projetos agrícolas e campos de pastorícia. Ora este projetos agrícolas só fazem sentido se essa agricultura for amiga do ambiente, dos solos, dos rios, do ar, dos animais e das pessoas.
Ideias para melhores práticas
A agricultura industrializada, super-intensiva e de monoculturas é uma receita para a desertificação sobejamente conhecida e com exemplos que o confirmam por esse mundo fora.
Como diz Vandana Shiva — cientista, eco-ativista e agro-ecologista indiana, fundadora da Navdanya, ONG que promove a biodiversidade de sementes, agricultura orgânica, direitos dos agricultores, etc. Estas práticas são um atentado contra as pessoas e o planeta e uma verdadeira guerra contra o futuro.
Segundo ela, podemos reverter as alterações climáticas alterando a qualidade dos solos. Podemos alimentar melhor o mundo e reduzir drasticamente muitas doenças graves causadas pelo uso e abuso de agro-tóxicos na nossa alimentação e no ar que respiramos.
A economia não pode continuar de costas voltadas para a ecologia. É assim urgente desmascarar a crença instaurada. Aquela de que apenas conseguiremos “alimentar” a população mundial recorrendo a uma agricultura super-intensiva e excessivamente apoiada em métodos poluentes.
APOSTAR NA BIODIVERSIDADE É GARANTIR O FUTURO das pessoas e do ecosistema onde se inserem.
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A transformação do Alentejo
O que acontece no Alentejo e se vai multiplicando a uma velocidade estonteante é, a meu ver um verdadeiro ecocídio. Porque oliveiras milenares são cruelmente desenraizadas e substituídas por olivais em que se plantam 1500-2000 árvores por hectare; isto em vez das 200 ou 300 previstas na lei.
Se há lei, por que motivo não está a ser cumprida? Como é possível continuar-se a cometer esta grave infração sem repreensões?
São os capitais espanhóis das corporações alimentares e os herdeiros das terras a vendê-las ou alugá-las a quem quer apenas ter lucro sem o mínimo de cuidados ambientais, sociais ou culturais.
Que cuidados faltam?
Sociais porque a mão de obra sazonal de que esta agricultura necessita é muitas vezes mão de obra estrangeira e clandestina. Violam-se pois os mais básicos direitos de trabalho de pessoas importadas ciclicamente e tratadas com muito pouca dignidade.
Culturais porque a maquinaria pesada que se ocupa da mobilização dos solos tem encontrado e muitas vezes destruído valioso património de vestígios pré-históricos e romanos.
Ecológico porque estes milhares de hectares de terrenos, todos eles valendo-se do dispendioso regadio proveniente do Alqueva e do uso de pesticidas, herbicidas e adubos químicos, estão a transformar a paisagem numa planície sem vida.
Quando, no início de dezembro 2018, voltei a Serpa, constatei que a situação só tinha piorado. Mais e mais hectares de olival intensivo continuavam a ser plantados. Ou seja, aquelas jovens árvores cujos troncos estavam ainda protegidos por tubos PVC mais pareciam um gigantesco cemitério a perder de vista.
Qual será o fim de vida de tanto plástico?
Em cemitério se transformarão em poucos anos com certeza estes terrenos. Isto porque o consumidor é cada vez mais exigente e preocupado com o modo como os seus alimentos são produzidos. Ao perceber a enorme falta de ética com que aquelas culturas foram realizadas, recusariam aquele azeite de baixa qualidade.
Certamente é o consumidor quem tem a última palavra! É o consumidor quem dita as tendências do mercado. Portanto, quem ainda teima em continuar com este tipo de práticas agrícolas, tem pouca visão para o futuro. Está assim condenado à falência a longo, médio ou curto prazo.
Novos projetos agrícolas sustentáveis
Olival Rica Grande
Tomei conhecimento e visitei alguns outros projetos na mesma região que vêm provar que soluções agrícolas são possíveis no Alentejo.
Por exemplo um olival (Rica Grande); recorrendo a práticas sustentáveis apoiadas em técnicas e conceitos de biodinâmica, já ganhou três prémios internacionais de melhor azeite.
Bio Damasco
O Bio Damasco, que produz damascos, figos, nozes e outros frutos secos; enquanto isso, na sombra das árvores cresce erva para alimentar as ovelhas de cujo leite se fazem queijos biológicos.
Almabio
O Almabio, projeto que visitei e me deixou encantada. A Fátima e o Hugo, em 6 hectares, desenvolvem um método de Keyline para cultivo de plantas medicinais e aromáticas.
É um bonito projeto, de linhas serpenteando o relevo do terreno de uma forma muito orgânica e harmoniosa. A paisagem encontra-se sarapintada do que restava da produção de maravilhas (Calendula officinalis) cor de laranja; fidalguinhas (Centaurea cyanus) de um azul intenso; perpétuas roxas (Gomphrena Globosa), uma pequena parcela de açafrão (Crocus sativa) nas entrelinhas moringas e sabugueiros.
Tudo isto e muito mais num projeto certificado pela Demeter, certificadora biodinâmica.
Conclusões
Gostei do que vi e vocês, caros leitores, irão com certeza gostar também se vierem a conhecer projetos como estes. Pois provam-nos que no Alentejo afinal pode haver uma agricultura mais sustentável, inclusiva, harmoniosa, equilibrada e equilibrante. Uma dinâmica em que solos, plantas, pessoas e animais são todos tidos em conta e tratados com o merecido respeito.
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