O nome engana: chama-se jasmineiro-dos-açores mas é endémica da Madeira.
Entre janeiro de 1994 e janeiro de 2002, desempenhei as funções de vereador na Câmara Municipal do Funchal. Nesses oito anos, fui responsável pelos pelouros do Ambiente, Educação e Ciência.
Na gestão dos parques e jardins municipais tentei incutir, na população e muito particularmente nos colaboradores da Divisão de Parques e Jardins, o gosto pelas plantas endémicas e nativas até então muito pouco utilizadas como ornamentais. Arranjei sempre tempo para acompanhar os jardineiros na colheita de sementes e estacas na Natureza das espécies que considerava de maior valor ornamental para serem germinadas ou enraizadas no viveiro da Quinta do Poço com o carinho e saber do senhor Patrício e posteriormente introduzidas nos novos espaços verdes, como foi o caso do vasto Passeio Público Marítimo.
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Numa dessas saídas de campo, dirigimo-nos à ribeira do Lazareto, designação atual da ribeira de Gonçalo Aires, para colher, com muito cuidado, estacas de um jasmineiro, de belas flores brancas e delicado perfume, que, além de ser exclusivo da Madeira, constituía e constitui uma raridade no seu habitat, estando referenciado pela UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) como espécie em perigo de extinção.
Quando logo pela manhã chegámos ao local onde vive a preciosa espécie endémica, constatámos, com espanto, que uma máquina se preparava para escavar o talude sobranceiro à Rua Conde Carvalhal com o objetivo de construir uma garagem. Pedi ao maquinista para parar e solicitei a vinda do dono da obra, que passado pouco tempo chegou com a licença emitida pela câmara da qual eu era vereador. Expliquei-lhe que, entre a vegetação que cobria a escarpa de basalto se encontravam algumas plantas de um arbusto trepador que na Natureza só existe na Madeira e que aquele era um dos dois locais onde sobrevivera.
Regressado aos Paços do Concelho, alertei o Departamento de Urbanismo para a necessidade de reanalisar o projeto. A garagem foi construída cerca de trinta metros para oeste e os jasmineiros, sobreviventes de quase seis séculos de ocupação humana, mantiveram-se intactos e continuam vivos.
Esta espécie endémica da Madeira foi classificada por Lineu, em 1753, como Jasminum azoricum, indiciando ser nativa dos Açores, apesar de não haver qualquer referência à sua presença naquele arquipélago. Deve ter havido um erro na informação da origem geográfica por parte de quem transportou para a Universidade de Lund o material vegetal para classificação.
O Doutor Google fornece imensa informação sobre a morfologia das folhas e das flores desta trepadeira produzida e vendida com fins ornamentais por viveiristas de vários países, mas, quanto à sua origem, alguns dos seus assistentes insistem nos Açores, outros dizem que é das ilhas Canárias e da Madeira e há quem jure que é nativa apenas das Canárias. Se é pouco compreensível que no século XVIII no extremo norte da Europa se incluísse a ilha da Madeira no arquipélago dos Açores, é inadmissível que, decorridos 270 anos após o batismo botânico, esta espécie exclusiva da Madeira continue a ser divulgada como jasmineiro-dos-açores em livros, revistas e sítios da Internet, e os gurus da sistemática ainda não tenham tido tempo para a reclassificarem com a correta referência geográfica.
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