Revista Jardins

Etnobotânica e Artesanato em Portugal

As origens da Etnobotânica e Artesanato em Portugal

As plantas são os pilares de todas civilizações, fornecem alimentos e outras matérias indispensáveis à sobrevivência e ao bem-estar, como os compostos utilizados em medicamentos.

As civilizações dependem da agricultura, em especial dos cereais (trigo, arroz, cevada, milho, sorgo) e das leguminosas (grão, feijão, soja, lentilhas, favas, feijão-frade) que fornecem os hidratos de carbono e proteínas necessárias à vida humana.

Os povos nómadas não têm, em geral, práticas agrícolas, mas estas formas de organização humana não se constituem em civilizações.

As plantas fornecem outras matérias indispensáveis à nossa sobrevivência e ao nosso bem-estar, como os compostos utilizados em medicamentos (morfina, quinina, vimblastina, salicina, etc.) e as fibras com as quais nos vestimos e protegemos (algodão, linho, cânhamo, juta, rami).

Embora todos dependamos das plantas, esta situação é mais evidente nas comunidades rurais, onde os ciclos da Natureza determinam de forma mais direta as atividades humanas.

Nestas comunidades, parte da cultura material é assegurada com recurso a matérias-primas de origem vegetal, muitas delas obtidas localmente, dando origem a artefactos que facilitam as atividades domésticas e agrícolas ou que servem propósitos decorativos ou lúdicos.

Plantas e artesanato

O nosso País ainda conserva tradições nas quais as plantas são elementos centrais, tanto na cultura material (cestos, bordados, instrumentos musicais, etc.), como na cultura imaterial (lendas, romarias, toponímia, etc.).

Algumas dessas tradições encontram-se distribuídas pelo território continental e insular, como, por exemplo, os cestos feitos com caules de salgueiros (Salix sp.), enquanto outras têm um âmbito mais regional, como os chapéus de folhas de dragoeiro (Dracaena draco) da ilha do Pico.

O estudo destas tradições pode ser feito sob diferentes perspetivas, contudo a ciência que se encontra mais bem preparada para explicar o uso e simbolismo das plantas é a etnobotânica, já que esta área científica estuda o resultado da interação cultural entre os humanos e as plantas, ou seja, de como os humanos incorporam as plantas nas suas práticas culturais.

Os capotes, os tarros e os cocharros

Alguns dos objetos tradicionais feitos a partir de plantas respondiam a necessidades que já não existem, por isso foram abandonados ou adquiriram um novo estatuto, através do qual passaram a representar, simbolicamente, a região da qual são originários.

Por exemplo, as croças (capotes) feitos com juncos (Juncus spp.) que se utilizavam para proteger os agricultores e os pastores das intempéries do inverno ainda se fazem na região do Barroso, embora poucos as utilizem porque foram substituídas por impermeáveis de fabrico industrial, tal como, no Alentejo, os cocharros (colheres) e os tarros (recipientes térmicos) feitos de cortiça (Quercus suber), que se utilizavam para, respetivamente, beber água das fontes (ou dos cântaros) e para conservar e transportar as refeições.

Estes objetos são, agora, símbolos das regiões que os manufacturam e não correspondem a qualquer necessidade contemporânea.

A valorização deste simbolismo cultural é, seguramente, uma medida incentivadora para conservar este património material e permitir que as próximas gerações dele usufruam e, também, o adaptem às suas necessidades culturais.

O nosso país ainda conserva tradições nas quais as plantas são elementos centrais.

Os pauliteiros de Miranda e as máscaras de Lazarim

Na região de Miranda do Douro, os pauliteiros perpetuam uma dança, provavelmente pírrica, que poderá ter tido origem na Grécia Clássica e que foi trazida para a Ibéria pelos romanos.

Fazem-no não com armas mas com paus de madeira de freixo (Fraxinus angustifolia) e ao som de gaitas-de-foles que têm ponteiras feitas com madeira de buxo (Buxus sempervirens) ou de zelha (Acer monspessulanum), nas quais vibram palhetas feitas de cana (Arundo donax).

A festa do Carnaval, em Lazarim, não seria a mesma sem as máscaras de demónios e de outros seres fantasmagóricos esculpidas em madeira de amieiro (Alnus glutinosa).

Ainda em Trás-os-Montes e no Alto Douro, fazem-se cestos e máscaras (gigas, escrinho) com palha de centeio (Secale cereale) e casca (súber) das silvas (Rubus ulmifolius). As cascas das silvas prendem os feixes de centeio, que são enrolados em espiral, formando, assim, o objeto que se deseja criar.

Os cestos, os chapéus e os palitos

Nas Beiras, utilizam-se placas de madeira de castanheiro (Castanea sativa), finamente cortadas, para fazer os cestos utilizados nas atividades agrícolas e domésticas.

Na região de Fafe, são os chapéus feitos com palha de centeio entrançada manualmente e cosida à máquina, que caracterizam o artesanato local, existindo um museu (Museu da Palha) que evoca as origens e as técnicas deste ofício.

Em Portugal, a arte de palitar terá “nascido” no Mosteiro de Santa Maria de Lorvão e quando esta casa monástica foi encerrada, na sequência do decreto que extinguiu os conventos (1834), o ofício passou para o povo, que o manteve até hoje, utilizando madeira de salgueiro (Salix spp.) e de choupo (Populus spp.) para os famosos palitos de flor e pestana.

Os bordados em casca de castanha

No Alto Alentejo, concretamente na região de Marvão, o cultivo de castanheiros e o comércio de castanhas são atividades com séculos (Castanha Marvão-Portalegre DOP) e é aqui que, pelo menos desde o século XIX, se fazem bordados únicos com casca de castanha.

As cascas de castanha são cortadas de forma a que tomem a forma de pétalas ou de folhas e, em seguida, cosem-se a tecidos de linho (Linum usitatissimum), formando um contraste que resulta da distinta tonalidade que a parte interna e externa da casca apresentam.

Alcofas, vassouras e abanos

No Algarve, o artesanato mais emblemático é feito com as folhas da palmeira-anã (Chamaerops humilis) e com os caules (colmos) de cana (Arundo donax).

As folhas da palmeira-anã utilizam-se para cestos, alcofas, vassouras e abanos para os pequenos assadores tradicionais. As folhas secas entrançam-se manualmente e é com esta trança que se manufaturam muitos dos objetos.

Com as canas fazem-se cestos tradicionais que seguem uma técnica semelhante à usada no artesanato feito com vime, embora, nestes últimos, se utilizem os ramos inteiros (frequentemente descascados) e, no caso dos cestos de cana, se utilizem partes do caule que foi seccionado longitudinalmente.

Primeiro, faz-se a base do cesto e, posteriormente, dobram-se os caules para se iniciar “parede”. Na década de 1970, a atriz inglesa Jane Birkin usou um cesto de cana, com tampa, feito no Algarve que, em alguns ambientes culturais, ainda se chama The Birkin Basket.

Cestas da Madeira

Na ilha da Madeira, existem diversos objetos tradicionais feitos a partir de plantas, mas os mais emblemáticos são os cestos manufaturados com caules de vimeiro/salgueiro (Salix viminalis), uma planta que foi introduzida na região pelos colonizadores.

A descida do Monte do Livramento até ao Funchal (cerca de 2 km) é efetuada no interior de carros (cestos) feitos com vime e madeira.

Esta é uma das atrações turísticas mais antigas do Funchal − o nome Funchal alude ao abundante funcho (Foeniculum vulgare) que existia na zona onde se fundou a cidade capital do arquipélago, tal como o nome da ilha açoriana do Faial alude à faia-das-ilhas (Myrica faya).

Bordados de palha e esculturas de miolo de figueira

Nos Açores, os bordados de palha de centeio e esculturas de miolo de figueira (Ficus carica) são, porventura, as peças mais emblemáticas do artesanato local.

O bordado de palha é feito com tiras de caules que são “bordadas” diretamente em tule preto, sem agulhas, com as mãos. As esculturas de miolo de figueira resultam da justaposição e colagem de diversas peças individuais que se vão unindo para formar um conjunto harmonioso.

Os objetos tradicionais feitos a partir de plantas podem e devem assim adaptar-se ao espírito e às necessidades do nosso tempo e não têm necessariamente de caminhar para a extinção cultural.

Um interessante exemplo desta adaptação encontra-se nas alcofas de juncos de Castanheira (Alcobaça).

Quando o mercado português demonstrou um menor interesse pelas alcofas, um artesão local resolveu investir na qualidade e no mercado internacional, aproveitando os novos meios de difusão que a globalização permite e esta foi uma opção vencedora (www.toinoabel.com).

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