Entrevistas

Especial Selva Urbana: Plant Lover – Nuno Prates

Nasci e cresci em Lisboa, afastado da Natureza, já que passei a adolescência numa época de muita instabilidade política e pouca serenidade social. O mundo verde era visto como franja nas preocupações sociais e sobretudo nas decisões familiares.

Porém, tive o privilégio de ter sido autorizado pelos meus pais a cuidar do jardim na casa de férias. Passava cerca de três meses de verão a experimentar, plantar, envasar, propagar.

Lembro-me que, sem me aperceber, descobria na prática o que é uma atividade profissional com formação académica superior. Eu resumia os meus frugais conhecimentos a um punhado de sementes: desejo, empenho, paixão e fascínio que, uma vez lançados à terra, germinavam em qualquer coisa, pouco importava se com ou sem sucesso, pois a descoberta e a experimentação eram o fruto que eu queria produzir.

A magnitude das folhas, as variedades de formas e cores, a rapidez e pujança do crescimento das plantas e o espaço que conquistam eram estímulos encantadores para quem aprendia sobre o que plantava.

Havia pouca literatura sobre a maioria das espécies. Reinava uma cultura popular fortemente ligada à agricultura e que considerava a jardinagem como atividade de luxo e reservada a uma elite. Quando encarei o conhecimento sobre o material vegetal que compõe a paisagem natural do planeta, a partir de bases consolidadas na ciência e em botânicos, a paixão tomou conta das minhas opções pessoais e passaram a ter o papel principal no uso que dou à vida.

Hoje sou jardineiro formado na descoberta e experimentação, com enxada na mão, olhos na paisagem que me serve de lição e redator do conhecimento que guardei. Próximo projeto: os filantropos da paisagem.

De que forma e quando é que nasceu esta paixão pelas plantas?

A genética parece estar na base do mundo científico atual e naturalmente na explicação de muitos atos e comportamentos dos seres vivos.

Provavelmente, eu serei um desses exemplos entre os humanos, que depende da proximidade da Natureza mais do que da tecnologia ou qualquer outra atividade material.

A verdade é que tive formação nas disciplinas da cultura, património, artes e história das civilizações, um conjunto de assuntos me arrastaram na interpretação de detalhes da Natureza, como a relação entre o equilíbrio ambiental e a participação humana.

As plantas surgiram, assim, como o material e as minhas mãos como o cinzel para esculpir paisagens. Estou longe de ser paisagista, mas fui levado a admirar os pormenores da estética na paisagem essenciais na minha for- mação como indivíduo.

Qual é a sensação de viver rodeado por centenas de plantas?

Impensável de outro modo. Eu vivo em jardins que têm quartos, cozinha e sala de estar, conjunto ao qual chamo casa. Vivo num jardim com casa e não o contrário.

As casas de banho são ótimos lugares para cultivar plantas de interior. Aliás é o único local coberto onde tenho plantas.

Sabe quantas plantas tem?

Nunca saberei. Sei que as tenho todas catalogadas em arquivos de imagem.

Tento sempre multiplicar cada exemplar por três indivíduos, para garantir a continuidade de cada espécie em caso de perda. Cultivo-as separadamente em ambiente ecológicos diferentes para estudar a reação e aclimatação de cada espécie.

Que benefícios sente desse contacto permanente com as plantas?

Oxigenam-me o cérebro e mantém-no ativo pelo que me ensinam e me dão a descobrir. Alimentam a alma, iluminam-na e conservam-na orgulhosa.

Mas ainda não me sinto satisfeito com o que tenho, nem com a missão como jardineiro cumprida. Falta um longo caminho.

Tem alguns rituais especiais com as suas plantas?

Não canto, não falo, não lhes proporciono música. Podem até precisar, mas não faz parte da minha maneira de estar entre as plantas. Prefiro o silêncio do momento ou simplesmente estar calado entre seres que se reconfortam pela presença mútua.

Com toda a certeza, sei que, se me afasto de um dos jardins por algum tempo, reagem mal. Sinto que tenho uns jardins que dependem mais de mim que outros, mesmo que em todos cultive a mesma família de plantas e até géneros, mas a relação que proponho a cada um desses jardins é uma decisão que sei que terei de levar continuadamente.

Não se pode interromper sob pena de o perder.

 

Quantas horas por dia ou por semana lhes dedica?

Regar, limpar, mondar, regular o equilíbrio entre as plantas, porque cultivo-as sempre em regime de forte competição, adubar e preparar para os solstícios que ditam a regeneração das plantas são atividades que têm de ser cumpridas.

Não calendarizo nunca. Observo e vejo o que cada jardim pede. Eles passam a mensagem sempre que entendem. Eu respondo-lhes sempre que sou chamado.

Quais as principais tarefas de manutenção que as plantas exigem?

Tudo se centra na rega. A rega em espaços urbanos é imprescindível. O Homem criou muralhas que são retenções estivais de calor e irradiadores noturnos que desidratam o ar.

As pessoas acham que as suculentas e as cactáceas conseguem suportar essas condições. Mas estão erradas, porque até estas combatentes vegetais sofrem de falta de água.

A drenagem, num recipiente, floreira ou vaso, são fundamentais para que se regue em segurança e com frequência. Os catos gostam sim de água! Por outro lado, sou favorável à expressão máxima das plantas desde que não interfiram com a sobrevivência de outras.

Nunca podo, acho uma mutilação que não vejo a Natureza exercer. Somente sucede em intempéries para corrigir desequilíbrios. Sigo esse princípio. Por conseguinte, elas têm liberdade quase por completo. Raramente removo folhas mortas.

Apenas cumpro esse procedimento com algumas espécies que sei que precisam de ser desfolhadas de modo a não desperdiçar tanta energia nos meses frios.

Outras servir-se-ão das folhas mortas, a que se chama “saia” para se protegerem das baixas temperaturas. Há que supervisionar os ataques das lesmas e caracóis que ditam a perda de plantas tropicais em poucos dias.

Eu vivo em jardins que têm quartos, cozinha e sala de estar, conjunto ao qual chamo casa.

Qual o top 5 das suas plantas preferidas e porquê?

Flora tropical. entre elas a família das bromeliáceas, o género Heliconia, Filodendro (parte reclassificado como Thaumatophyllum), Dracaena spp. e a espécie Cordyline fruticosa.

Que conselho dá aos nossos leitores que pretendem tornar as suas casas mais verdes? Por onde devem começar para trazer a Natureza para dentro de casa?

Sugiro que comecem pelos vasos, os suportes, as escolhas dos materiais onde cultivam, o enquadramento, e, atentos a isto, qualquer planta irá sobressair.

Vejo a esmagadora maioria de plantas, muitas interessantes, mas sem enquadramento algum.

Perde-se o encanto, descaracteriza-se a estética da planta e diminui-se o valor que cada espécie oferece. A moldura de uma tela e a cor da parede onde a penduramos trazem ou retiram o esplendor da obra exposta. É uma atitude esquecida entre os portugueses.

Quer deixar uma mensagem de esperança para quem está em casa nesta primavera diferente?

Há uma prática que raramente o entusiasta ou o jardineiro se lembra: a jardinagem teórica, aquela que ensina, explica, elucida e cultiva o conhecimento sobre as inúmeras disciplinas da Botânica, como a historiografia do jardim, a geobotânica, a biologia botânica, os naturalistas, a etnobotânica, a história da introdução de espécies, a arquitetura ornamental dos jardins, lições de jardinagem e aclimatação de plantas, a história da paisagem e obras de arquitetura paisagística e naturalmente uma viagem virtual pelos jardins botânicos do mundo.

Desfrutem do lado proveitoso da quarentena!

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