Jardins & Viagens

Jardim reinventado à sombra de uma glicínia

 

Por toda a cidade de Lisboa, existem jardins recônditos que respondem ao potencial do que o nosso clima permite. É desses jardins que vamos à procura e aqui desvendamos àqueles que se prestam às aventuras da terra e do que nela se pode fixar.

 

Este revela-se por debaixo de uma glicínia que já perdeu a conta aos anos. Contado está o empenho de duas décadas no seu cuidado, e o dia de verão em que chegaram raízes novas, pelas mãos de dois jardineiros e um joalheiro – que lapidaram uma pedra em bruto para, por fim, refletir toda a sua potencialidade.

A maior parte de nós que se deparou com uma porção de terra por domar tem sempre noção de que é possível ir mais longe. A complexidade está no eterno “mas como?”.

 

 

Falta, por vezes, um à-vontade de tratar as plantas pelos nomes; a consciência onde os jogos de luz e sombra permitem que esses nomes cheguem; e, por fim, como criar um novo ecossistema, que transmita uma sensação de selvagem – apesar da ordem que existe a planear. Quando o nosso ponto de partida é um jardim amadurecido e consolidado, como este, com exemplares de tamanhos e formas que só o tempo poderia ter preenchido, a responsabilidade aumenta.

 

Leia também:

Jardim Botânico Tropical

 

Como intervir

Devemos primeiramente pensar em como conservar tudo o que resistiu ao passar do tempo, as plantas que ali encontraram a morada perfeita, que contam histórias e cujos pássaros conhecem o pouso.

Ao mexer num ecossistema, por mais pequeno que seja, convém que a intervenção seja benéfica! Sob a premissa de adicionar em vez de remover, inicia-se a junção de um puzzle para que as plantas aceitem serem acompanhadas, em harmonia, por nova vizinhança que competirá por luz e nutrientes ou que encontrará aconchego nas sombras antigas.

 

A importância da escolha das plantas certas

De todas as divisões, avistam-se elementos vegetais que afunilam e emolduram a vista, permitindo desbravar o jardim com um olhar pausado, gradual.

O quarto, são os fetos arbóreos (Cyathea cooperi) que assumem o primeiro plano. A maior e mais nobre das bromélias, rodeada de fetos de outono, eleva-se num vaso vietnamita à espera que o tempo lhe permita ser o centro das atenções. Este cultivar de Alcantarea imperialis escolhido, ‘Julieta’, pelos tons avermelhados, torna-se a premissa certa para usar “a falsa banana” (Ensete ventricosum), que nos guia pelas cama das seguintes do jardim. Apesar da ilusão das suas bananas, que não são comestíveis, e de fazermos um uso predominantemente ornamental, as suas raízes e caules alimentam milhões no continente africano.

 

 

Já a vista da sala, pela extensão e limites do canteiro, é pautada por simples e robustos exemplares de Strelizia reginae e Philodendron xanadu. No centro, em grande destaque, está a Vriesea fosteriana, uma bromélia algo temperamental pela sua sensibilidade ao sol e que atinge dimensões consideráveis. Sendo uma planta epífita, só está a utilizar o solo como suporte, sem competir pelos recursos de um espaço limitado.

Destacam-se ainda outros elementos vegetais que fomentam o visual de jungle garden cada vez mais procurado e que permitem uma grande paz de espírito aos jardineiros: Canna indica, Thaumatophyllum bipinnatifidum, Agapanthus africanus, Phormium tenax. As notas mais fortes de cor, além das bromélias, foram conseguidas com recurso à Cordyline pink passion, que contrasta com os tons de azul das palmeiras e Yuccas; Cordyline red australis; Phormium tenax ‘Sundowner’; Ophiopogon nigrescens.

 

 

A biodiversidade não foi esquecida

Na conceção do jardim, onde se procurou equilibrar uma função estética e ecológica, previu-se que o caminho até ao limoeiro se fizesse acompanhado de ervas aromáticas, à mão de colher. É de notar que a vegetação da praça em frente invade a paisagem, criando uma outra camada, de proporções que só a terra mais elementar, sem limites de profundidade, pode proporcionar.

Os pássaros que já visitavam o espaço não foram esquecidos pelos proprietários. Além de abrigo e refresco do microclima ali criado, têm uma pia em pedra para se refrescarem. Uma troca quase silenciosa, para agradecer os cânticos que avivam o jardim. A experiência imersiva de interagir com um jardim aparentemente naturalizado e selvagem, que abraça a casa, capta o olhar através das telas que o vidros de todas as divisões permitem alcançar, num restauro pacífico da tropicalidade inerente à cidade.

Pelo menos até que as plantas se estabeleçam, será a velha glicínia o segredo quase invisível do jardim – o norte de um jardim voltado a sul–, que permitiu às novas plantas enfrentarem o seu primeiro agosto quase sem que tivessem dado conta da nova terra.

 

Espécies introduzidas

Musa ensete ‘Maurelli’ | Phormium tenax ‘Purpureum’ | Cyathea cooperi | Dicksonia antarctica | Dryopteris erythrosora | Dryopteris atrata | Dasylirion longifolium | Ophiopogon nigrescens | Cordyline australis ‘Red Star’ | Cordyline australis ‘Pink Passion’ | Strelitzia reginae | Monstera deliciosa | Phoenix roebelenii | Alcantarea imperialis ‘Julieta’ | Dianella tasmanica | Rhapis excelsa | Musa basjoo | Vriesea fosteriana | Neoregelia ‘Red Reverse Hybrid’ | Thaumatophyllum bipinnatifidum

 

Este jardim faz parte de um projeto de reconversão concebido pelo autor do texto.

 

Leia também:

Jardim de coisas simples

 

Gostou deste artigo? Então leia a nossa Revista, subscreva o canal da Jardins no Youtube, e siga-nos no FacebookInstagram e Pinterest.

Poderá Também Gostar