Plantas

Plantas viajantes

equinácea

 

“O mundo lê-se a viajar. Ao viajante cabe prosseguir atento, alerta e desperto”.

 

Quem por aqui me acompanha já deve ter percebido o quanto gosto de viajar e gosto de viajar ao encontro das plantas ou talvez seja o inverso, serão talvez as plantas a encontrar-me nas viagens, quem sabe?

Aprecio os territórios, as pessoas que os habitam, a forma como os habitam e o tipo de interação que têm com o verde que as rodeia. Gosto de mergulhar nesses verdes e descobrir-lhes os segredos, quando e como ali chegaram, quem os levou, terá sido o vento, as correntes marítimas, alguma ave que os terá levado agarrados às suas penas, às suas patas, ou até mesmo no seu interior, algum mamífero de duas ou quatro patas, algum inseto.

Tanta forma de se fazer transportar à volta do planeta. Tanta estratégia sofisticada e, de certa forma, inteligente de assegurar descendência e de ir experimentar como se vive do outro lado do mundo. Surpreende-me e maravilha-me esta capacidade que as plantas têm de viajar, de se deslocarem sem terem possibilidade de locomoção, movimento sim, muito, locomoção não, pois segundo o dicionário “locomoção é o movimento pelo qual um corpo muda de lugar”. Bom, eu e qualquer jardineiro deparamo-nos sempre com esses mistérios de termos colocado uma semente num lugar e ela resolver dar à luz noutro lugar, surpresa, mas eu não plantei isto aqui, mas cá está, foi o vento, foi a chuva ou algum bicho que ali passou. Deixar ficar ou arrancar depende do tipo de jardineiro que somos. As plantas surpreendem-me sempre, todos os dias, pelas mais pequeninas coisas.

Quem tem um jardim, um quintal, uma árvore, um canteiro, um baldio perto de si, se viver atento, vive deslumbrado.

 

Leia também “Do chão à chávena: Elixires com histórias que curam.

 

Cacau

Cacau

 

Aproveito para transcrever um excerto do prefácio escrito pela Raquel Ochoa no meu mais recente livro, Plantas do Mundo, usos medicinais, histórias e tradições: “O mundo lê-se a viajar. Ao viajante cabe prosseguir atento, alerta e desperto”.

José Gomes Ferreira dizia “Proibida a entrada a quem não andar espantado por existir”, essa máxima que vai e volta no carrossel das várias idades e nos acompanhará até ao fim, se tivermos sorte.

“A arte de reparar numa planta, numa flor ou numa semente convoca a beleza. Se nos espanta, estremece-nos – acordou-nos.”

Este livro conta-nos a história e a estória de 57 plantas viajantes cujo impacto influenciou o curso da História, quer pela forma como moldaram hábitos e sociedades, como é o caso do chá (Camelia sinensis), quer pela influência que tiveram sobre o aparecimento de alguns estilos musicais como o blues, o jazz, que eram danças e cantares de escravos que trabalhavam em plantações de algodão, de tabaco e de cana-de-açúcar. 

Alguns destes textos já tinham em parte sido apresentados aqui na Jardins ao longo dos últimos 20 anos, já tinha escrito sobre a erva-aninha que é o nome que dão à erva-príncipe da ilha da Madeira, sobre a artemísia, também conhecida por losna e considerada uma planta protetora e inspiradora de poetas e outros artistas em forma destilada com o nome de absinto.

Conta histórias de cacau, de café, de yacon, de açafrão, de peónia, de passiflora, de papoila, de nigela, de equinácia, de canábis. Aqui vos deixo alguns extratos:

 

Nigela ou cominhos pretos

 

 

“No Egito e na Turquia foram encontradas sementes de nigela muito antigas, no túmulo de Tutankamon, e na Turquia, em urnas da época do império Hitita datadas de dois milénios antes de Cristo.

O médico persa Avicena (980-1037 d.C.) mencionou a Nigella sativa no tratamento de várias patologias.

Dioscórides (100 d.C.) referiu que estas sementes podiam ser usadas no tratamento de dores de cabeça, dores de dentes, de congestão nasal, como desparasitante intestinal, diurético e estimulante da produção de leite materno. Na Palestina, as sementes são moídas e confecionadas num condimento pastoso e amargo a que dão o nome de Qizha.

As suas minúsculas sementes pretas são muito utilizadas na cozinha da Índia e do Médio Oriente, polvilhadas por cima de pratos vegetarianos, saladas, pães, molhos.

No Médio Oriente, são moídas com coentros e cominhos para intensificar o sabor dos pratos de batatas, omeletas ou legumes mistos, combinam muito bem com quase todos os vegetais de raiz. É também aí utilizada na confeção de um queijo a que dão o nome de majdouleh.

 

Equinácea

 

Equinácea

 

Os índios americanos utilizam-na há milhares de anos para curar picadas de serpentes, dores de garganta, dores de dentes e vários tipos de infeções.

O termo equinacea deriva do grego e significa ouriço-cacheiro, devido ao aspeto do cone central da flor, cujas sementes são pequeninas agulhinhas, fazendo lembrar estes animais.

 

Café

 

Planta do café

 

Terá sido talvez Marco Polo a trazer para a Europa pela primeira vez esses grãos preciosos quando regressava das suas viagens pela Rota da Seda em 1295. Há também suspeitas de que os portugueses o conheceram no Oriente, para onde tinha sido levado pelos árabes ainda antes do século XVI e daí o terão levado para o Brasil. Certo é que os portugueses o trouxeram do Brasil para a África Ocidental nomeadamente para Cabo-Verde e São Tomé no fim do século XVIII, voltando assim a reintroduzi-lo no continente africano.

 

Chá

 

Chá e hortênsias

 

No século XIX, os produtores e donos das plantações de chá expropriaram sem escrúpulos muitos hectares de terra nos territórios que colonizavam, dizimando toda a flora local para aí instalarem as suas produções, deslocando comunidades inteiras, destruindo os ecossistemas e usando mão de obra barata, muitas vezes importada da Índia, nação que mais tarde, por ironia do destino, lhes viria a revindicar direitos cívicos, independência e autodeterminação.

 

Canábis

No Antigo Egito, o cânhamo era usado para tratar inflamações dos olhos e “arrefecer o útero”. Existem relatos de textos antigos originários da Índia e da China sobre o uso medicinal desta planta já no século X a.C., nomeadamente como expetorante, antimalária, no tratamento de gota, reumatismo e obstipação.

Outros estudos falam-nos da sua utilização pelos Citas, nómadas de origem iraniana que se recolhiam nas suas tendas inalando vapor resultante das sementes de canábis colocadas sobre pedras quentes. Plínio, o Velho (23-79 d.C.) tinha muita consideração e estudos feitos sobre o potencial terapêutico da canábis, Santa Hildergarda de Bingen no ano de 1150 já a mencionava como tratamento eficaz no alívio das dores de cabeça. No século III d.C., a infusão das suas folhas era usada como analgésico no alívio de dores durante operações cirúrgicas. No século XIX, a planta era considerada o melhor analgésico contra cãibras e dores menstruais.

 

Estes são alguns exemplos de como as plantas viajando têm influenciado a História, a medicina, a vida das pessoas e do planeta.

 

Leia também “As plantas do novo mundo”

 

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