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São Tomé e Príncipe e os seus encantos botânicos

Diz-se de São Tomé e Príncipe que quem lá vai e come safu fica para sempre ligado aquele paraíso e a ele regressará algum dia. Comi safu entre muitas outras coisas desconhecidas, que me atrai sempre mais do que aquilo que conheço.

Existem muitas razões para visitar São Tomé. Há quem viaje até lá para cumprir algum sonho remoto de pisar a linha do equador que divide a terra ao meio, com o hemisfério norte para um lado e hemisfério sul para outro. Há quem viaje para desfrutar das praias paradisíacas, da sombra dos coqueiros e da boa comida.

No entanto eu viajei com um propósito bem definido: descobrir as plantas medicinais e embrenhar-me na floresta tropical húmida que cobre 90% das ilhas. Das 2 semanas que lá estive foram mais os dias de chuva e neblina do que de sol e céu azul.

Rosa de porcelana (Elingera elatiora)

B.I. – São Tomé e Príncipe (África)

Capital: São Tomé

Moeda: Dobra

Língua oficial: Português

Dialetos locais: Crioulo, forro, angolar e principense

Área total: 1001 km² com 90% floresta tropical húmida

Importância das plantas medicinais em São Tomé

Ao trocar uns mails com a Maria do Céu Madureira, tive uma oportunidade única. Esta etnofarmacêutica tem desenvolvido um trabalho científico importante com os curandeiros locais (Stlijon matu), investigando e comprovando as propriedades das plantas medicinais locais.

Convidou-me a estar presente num curso de botânica, destinado a guias e outros técnicos ambientais e agroflorestais; e que iria começar durante a minha estadia na ilha. Esta formação fantástico foi ministrado no jardim botânico com a colaboração do botânico que mais me inspira e me ensina; o professor Jorge Paiva da Universidade de Coimbra.

Foi uma semana de intensas aprendizagens sobre a flora local. Muito agradeço a amabilidade da Maria do Céu Madureira, a quem congratulo aqui publicamente o prémio que ganhou para a continuação deste precioso trabalho de investigação.

Helicornia sp

Calulu- refeição medicinal

As plantas medicinais fazem parte do dia-a-dia de qualquer santomense. Estes conhecem-nas bem e utilizam-nas para mezinhas no tratamentos das mais variadas maleitas mas também para a confeção dos seus pratos. Um dos pratos tradicionais mais populares e ousarei dizer mais terapêuticos é o calulu.

Este prato é uma espécie de caldo de peixe-seco ou de frango confecionado com muitas ervas; podem chegar às 100 diferentes plantas. É comum as pessoas terem nos seus quintais as ervas principais para a confeção deste prato que se come uma vez por semana. É uma autêntica refeição medicinal e mas que não tive oportunidade de provar portanto vou ter mesmo de lá voltar.

Maquequê (Solanus sp)

A grande variedade de plantas medicinais

No quintal da casa onde fiquei, a simpática dona Lourença cultivava fiá-ponto. Fiá significa folha e é nome de muitíssimas plantas. A folha-ponto Achryranthus áspera, é usada no calulu mas também para tratar feridas, diarreia e hemorroidas.

Já o micócó Ocimum gratissimum da família do manjerico e manjericão sabe e cheira a estas mas com notas de cravinho, também tem propriedades medicinais. A maquequê que é uma Solanácea de porte arbustivo. Possui picos na margem inferior das folhas e nos caules, flores semelhantes às da beringela e frutos amarelos raiados de verde. Usam as folhas e os frutos e é muito utilizada na confeção de vários pratos e molhos.

Ossam, pau-canela e limão
Mercado

Os mercados são um incontornável espelho sócio-cultura e uma aula de botânica, biologia e antropologia.

Encontrei no mercado, na banca das ervas para o calulu, folha-tartaruga, libó-d’água, ossame, mamblêblê, pau-pimenta, folha de mandioca. O mastruz de sabor e cheiro intensos, trata-se do Chenopodium ambrosoides ou epazote no México, erva-de-santa-maria ou erva-formigueira entre nós; usado para tratar problemas digestivos e parasitas intestinais. E a que nunca pode faltar em nenhuma cozinha Santomense, a erva-mosquito outro Ocimum.

À erva-príncipe Cymbopgum sp dá-se o nome de fiá-chalela. Usa-se como digestivo mas também para afastar os mosquitos, esmagando a folha e passando-a no corpo.

Begonia baccata

Abunda também por lá e é usada na culinária e para fins-terapêuticos para tratar dores de ouvidos, entre outras coisas, uma planta rasteira de origem asiática: a fiá d’olhá. A sua folha assemelha-se a uma orelha, muito utilizada na Fitoterapia ocidental e também na Medicina tradicional Chinesa e Ayurvédica.

Encontra ainda a Centella asiática ou Gotu kola ou Brahami utilizada como tónico mental, que fortalece o sistema nervoso e imunitário, recomendada em casos de Alzheimer e exaustão mental.

As exuberantes flores das Zingiberáceas estão por todo o lado com as suas vistosas flores de aspeto quase artificial. Este é o caso da rosa de porcelana Etlingera elatiora, flor símbolo das ilhas.

Alegria-do-lar (Impatiens tomensis Excell)

Parque Natural de Obô

Este parque, com uma área protegida de 235 km quadrados foi criada em 2006. Nele encontramos uma verdadeira farmácia viva, muitas plantas medicinais, árvores gigantescas, lianas, musgos, orquídeas, fetos, epífitas (que se desenvolvem sobre outras plantas mas não as parasitam).

Além disso, pode ainda encontrar muitos endemismos. Nomeadamente a Impatiens thomensis Excell ou a maior begónia do mundo, fiá-boba de obô, que pode atingir cerca de 3 metros de altura e ter folhas com mais de 1 metro de diâmetro.

Parque natural de Obô

A floresta é cerrada, húmida e de temperaturas que vão descendo à medida que subimos até aos seus 1400 m de altitude. Por todas estas caraterísticas a sua flora e fauna conserva ainda muitas semelhanças com a floresta original.

Caminhar numa floresta de chuva que é uma bolha de humidade e calor é uma sensação única. Aqui a ancestralidade e o silêncio acorda em nós de forma intensa esta certeza de que somos natureza. Em que não existe separação e que a natureza vive em nós.

Aproveite para ler: Deliciosas frutas tropicais de São Tomé

Fotos: Fernanda Botelho

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