Viagem à Holanda

No final de 2019, lançámos pela primeira vez um programa de viagens da revista Jardins, à semelhança do que muitas revistas de jardins estrangeiras fazem. Era um programa ambicioso com quatro viagens, que com o ano de 2020 e a covid tiveram de ser canceladas. Para 2022 resolvemos apenas lançar duas viagens, uma delas à Holanda para visitar o Keukenhof, o famoso jardim das túlipas e a Floriade, evento único no mundo da floricultura e horticultura que só realiza de dez em dez anos. A adesão a esta viagem foi fantástica e foi com um grupo de 30 pessoas (incluindo as três que estavam a guiar e a orientar a viagem) que estivemos estes quatro maravilhosos dias em terras holandesas.

Hortus Botanicus Leiden

O programa foi intenso, pois tínhamos de aproveitar bem os dias e mal chegámos fomos logo visitar o Jardim Botânico de Leiden (Hortus Botanicus Leiden).

Este é o jardim botânico mais antigo da Holanda, sendo o jardim frontal ao edifício principal a parte mais antiga do jardim, datando de 1590.

Tudo começa quando a Universidade de Leiden pede permissão ao presidente da câmara para a construção de um jardim de estudo para apoiar os estudantes de medicina, um Hortus Academicus. A autorização foi dada em 1590 e, em 1593, foi nomeado como seu diretor, o famoso botânico Carolus Cusius, que, com os seus conhecimentos e contactos nas colónias da Companhia das Índias Orientais Holandesas, conseguiu uma fantástica e extensa coleção botânica de plantas exóticas. O seu jardim inicial tinha somente 35 por 40 metros, mas albergava mais de mil plantas diferentes. Várias foram as contribuições ao longo dos séculos por diversas personalidades, entre eles Carl Lineus e muitos outros, e várias foram as ampliações que ocorreram no jardim até ao que podemos admirar hoje. 

No exterior, podemos ver o jardim chinês com a sua coleção de plantas medicinais e aromáticas, o roseiral, a horta pedagógica mais vocacionada para as crianças, o jardim de bolbos com uma grande variedade que estão em flor nesta época. Um ponto alto deste jardim são as escolas de sistemática onde estão representadas as famílias botânicas mais importantes do reino vegetal.

As estufas

A construção de estufas foi um grande melhoramento: a Estufa Vitória, em 1801, para albergar o nenúfar gigante Victoria amazonica, mas também uma grande variedade de plantas tropicais como orquídeas, áruns e outras famílias botânicas. Na estufa da Vitoria amazonica, as borboletas voam livremente, criando um ambiente extraordinário.

Em 1937, foi construído o complexo de estufas atual, que é dividido em várias zonas climáticas, incluindo várias plantas tropicais onde tivemos ocasião de ver bananeiras em plena frutificação. É um jardim que acompanha a história e o desenvolvimento do mundo das plantas desde o século XVI até ao presente. Aqui podemos visitar vários jardins e espaços diferentes com diferentes plantas, podemos admirar as coleções botânicas ou simplesmente passear à beira-rio, usufruindo dos caminhos ladeados por vegetação, ou sentarmo-nos a contemplar a paisagem de um dos muitos bancos que o jardim oferece.

No edifício onde se compram os bilhetes e onde está a loja do museu, há várias coleções de plantas, nomeadamente de catos e suculentas, em vários patamares, o que causa um efeito muito bonito e surpreendente; visto de cima é uma imagem fantástica.

Keukenhof

Após dois anos de portas encerradas devido à pandemia, o chamado Jardim da Europa abriu as suas portas desde 24 de março até 15 de maio. É de facto um local que merece ser visitado, pois é algo único e que ao vivo tem uma dimensão completamente diferente daquilo que podemos mostrar nas fotografias. A dimensão das manchas de flores, o aroma, todas as sensações que nos invadem quando estamos no meio de toda aquela profusão de flores, cor e aromas são difícil de transmitir.

Como curiosidade, este ano os jardins do Keukenhof dedicam-se às variedades das plantas clássicas juntando-se à comemoração do Museu Mauritshuis, de Haia, especializado em pinturas dos grandes mestres holandeses; o quadro A rapariga do brinco de pérola de Vermeer é um dos que está em exibição.

A história do parque remonta ao século XV, quando a condessa Jaqueline da Bavaria que viveu no início do século colhia frutos e vegetais para as cozinhas do castelo ali existente na época – castelo de Teylingen. Mas o castelo de Keukenhof, que se situa nos terrenos ao lado do parque foi construído em 1641 e abrangia um total de 200 hectares de terreno à sua volta. Em 1857, os jardins foram refeitos pela dupla de arquitetos paisagistas Jan David Zocher e Louis Paul Zocher, que eram pai e filho e que também construíram o Vondelpark, em Amsterdão. O estilo utilizado foi o estilo paisagístico inglês e que é ainda hoje a base dos jardins de Keukenhof.

Em 1949, um grupo de 20 cultivadores de plantas bolbosas teve a ideia de ocupar uma área com uma exibição de bolbos de primavera e assim nasceu o jardim ou parque de Keukenhof, que abriu ao público em 1950 e no primeiro ano recebeu mais de 236 mil visitantes.

Hoje em dia, temos uma área de 32 hectares onde são plantados anualmente mais de oito milhões de bolbos de 1600 variedades diferentes, reunidos por 100 empresas produtoras de plantas bolbosas. As túlipas são as rainhas de Keukenhof, com 800 variedades em exibição. É como ver o maior catálogo de bolbos do mundo ao vivo.

Exposições de orquídeas e de Alstroemerias

O parque tem ainda vários edifícios onde se encontram variadas exposições de flores, como uma exposição de antúrios e de orquídeas no pavilhão Beatrix; aqui podemos ver uma vastíssima mostra daquelas orquídeas comercializadas pelos produtores holandeses (ver artigo de orquídeas), pois este jardim e estas estufas são também isso mesmo, uma forma de os produtores mostrarem as suas novidades e o que de melhor estão a produzir.

Também no pavilhão Oranje Nassau estava patente uma grande exposição de Alstroemeria, onde se podiam apreciar estas plantas de vários
tamanhos, cores, etc., dispostas de formas muito  decorativas, criando um ambiente único de cor, forma e textura.

A plantação dos bolbos

No pavilhão Juliana encontramos a Tulipomania, onde podem encontrar-se vários painéis explicativos sobre a história das túlipas, a sua origem da Turquia, como foram trazidas para a Holanda, a loucura que foi a tulipomania no século XVII, bem como vários objetos de design inspirados pelas túlipas.

Neste mesmo pavilhão temos o making of do processo de plantação dos bolbos do Keukenhof, o que é absolutamente extraordinário, ver como os planos de plantação passam para o terreno, com uma equipa de 40 jardineiros a fazer um meticuloso trabalho de plantação de mais de sete milhões de bolbos ao longo de dois meses. Os vídeos onde estes trabalhos estão registados são fascinantes e, de facto, vale mesmo a pena perceber como é que se faz um trabalho tão extraordinário como este, de criatividade, bom gosto, organização, profissionalismo, técnica e manutenção.

Cerca de 600 floricultores exibem as suas flores, de diversos tipos, todos os anos em Keukenhof. É impressionante perceber que todos estes espaços são plantados com apenas sete ou oito plantas diferentes como as túlipas, fritilárias, muscaris, narcisos, jacintos, alhos ornamentais (Allium) e anémonas. A grande variedade de formas, cores, alturas destas plantas faz com que se criem padrões, formas e paisagens verdadeiramente mágicas.

O parque

A forma como as cores são combinadas entre si, o impacto maravilhoso que a grande mancha monocromática formada pelo rio de muscaris
azuis confere e a forma como esse azul contrasta com o verde das árvores que o envolvem é algo que não deixa ninguém indiferente.

As riscas gigantescas em vários tons de cor de laranja, cor-de-rosa, encarnado, que ondulam pelos relvados, sobem e descem os taludes, criando um movimento mágico. Tudo isto nos faz parar a cada minuto e faz com que esta visita se prolongue por um dia inteiro sem que se dê por o tempo passar. As grandes alamedas, com manchas de plantações de várias cores, marcam os caminhos de forma única, dá vontade de fotografar tudo, o aroma é indescritível, pois grande parte destes bolbos como os narcisos e os jacintos tem um perfume incrível, o que é uma outra dimensão da visita.

Fizemos também um passeio de barco pelos canais, ao logo dos quais tivemos a possibilidade de ver os campos de plantação de bolbos em plena produção, é algo tão bonito que faz faltar o ar. Dá vontade de ficar ali, apenas a contemplar toda aquela beleza, a aproveitar para apreciar o momento e o privilégio de ver todo aquele espetáculo natural.

Fizemos também um passeio de barco pelos canais, ao logo dos quais tivemos a possibilidade de ver os campos de plantação de bolbos em plena produção, é algo tão bonito que faz faltar o ar. Dá vontade de ficar ali, apenas a contemplar toda aquela beleza, a aproveitar para apreciar o momento e o privilégio de ver todo aquele espetáculo natural.

Flower Parade

O dia 23 de abril é o dia da parada das flores, que passa pela estrada, junto aos portões principais de Keukenhof, constituída por carros com figuras alegóricas decorados com pétalas, folhas e flores num desfile muito colorido e perfumado, uma vez que as flores utilizadas são na sua maioria jacintos, narcisos, muscaris, fritilárias, túlipas, etc., grande parte delas com aromas muito intensos.

Mas nós tivemos o privilégio de ver a parada noturna no dia 22, a qual saiu da pequena cidade de Noodwijkerhot, onde pudemos apreciar todos os carros alegóricos, alguns deles verdadeiras obras-primas, muito originais e divertidos, alguns deles com atuações musicais, dança, representação, o que torna este desfile noturno um momento absolutamente magico e único no mundo das flores.

Floriade 2022

A Floriade é uma exposição mundial de horticultura que se realiza de dez em dez anos na Holanda, que é instalada numa zona que depois de acabar a exposição se reconverte em termos urbanísticos, ganhando todas as infraestruturas da exposição e outras posteriormente, mas é também uma oportunidade de requalificação de uma zona urbana. A edição deste ano localiza-se em Almere, uma cidade a cerca de 30 quilómetros de Amsterdão.

O grande tema deste ano é Fazer Crescer Cidades Verdes (Growing Green Cities) e todos os espaços, pavilhões nacionais e estrangeiros irão desenvolver-se à volta de assuntos tão prementes como a sustentabilidade, o cultivo urbano, cidades mais ecológicas, mais resilientes, mais saudáveis, novos materiais e técnicas de construção que fomentem a redução da pegada de carbono, etc.

Os temas, além de Fazer Crescer as Cidades Verdes, são:

• Alimentar as cidades, daí a preocupação crescente com a busca de soluções para as hortas e produção de alimentos nas cidades.

• Outra das questões mais presentes neste evento é tornar a cidade mais saudável, trazendo para os centros urbanísticos e para os seus habitantes hábitos de vida mais saudáveis.

• A última das questões tem a ver com a produção de energia inteligente, limpa e sustentável, um problema e uma preocupação cada vez maior.

A exposição, em exibição de 14 de abril a 9 de outubro, merece mesmo uma visita, devido à oportunidade de apreciar num mesmo recinto uma enorme profusão de soluções, plantações, sugestões, ideias e inspirações para um planeta mais verde e sustentável.

Os pavilhões

A Floriade 2022 é uma festa de tecnologia ecológica e sustentável. São muitos os pavilhões estrangeiros e holandeses que se podem visitar e que nos trazem novidades e reflexões importantes dentro destes temas. No pavilhão da Bélgica, podemos visitar um pequeno jardim ecológico; no pavilhão de França, temos a cidade do amanhã; o pavilhão da Índia leva-nos para uma viagem espiritual pelo jardim; no Qatar, “O Ninho do Deserto” mostra-nos como é possível viver em harmonia com o ambiente no deserto. O pavilhão da Turquia, “amigo da Natureza” mostra-nos novas formas de desenvolvimento das cidades; no do Chipre, podemos ver um parque urbano com as plantas nativas do país. Podemos também destacar alguns pavilhões como:

Pavilhão da Alemanha ‒ Biotopia ‒ Ao longo de toda a visita, somos incentivados a realizar tarefas e jogos para percebermos as melhores estratégias para que as cidades do futuro sejam cada vez mais verdes e sustentáveis, com uma preocupação com a presença de plantas e biodiversidade, insetos polinizadores. Realização de reciclagem e utilização de energias renováveis.

Emirados Árabes Unidos – Aqui o tema são as cidades de água salgada no exterior e começa com um jardim de água salgada inspirado nos sistemas circulares de agricultura biológica salina criada nos Emirados Árabes. A exposição interativa no interior apresenta uma série de plantas halófitas (adaptadas a viver com elevados teores de salinidade) que conseguem por isso desenvolver-se nestas condições, em ambientes de água salgada. Trata-se de plantas como salicórnia, quinoa, manguezais, microalgas e ervas marinhas.

China – Um jardim com mais de 4000 m2 e uma grande variedade de plantas floridas, bolbos, azáleas, elementos de água etc. é uma interpretação do tradicional jardim chinês, mas dedicado maioritariamente ao bambu e às várias formas de utilização do mesmo, quer plantado, quer como material de construção, em paliçadas, pontes, túneis, bancos ou remates de pavimentos e canteiros. O pavilhão da exposição, no meio do jardim, é também construído em bambu, bem como grande parte dos móveis do seu interior. Deste pavilhão tem-se uma vista cénica para o jardim, este é um local de grande beleza e serenidade onde apetece ficar sentado num dos bancos de bambu, apenas a contemplar ou a descansar.

Japão – Este pavilhão é inspirado na tradição japonesa Satoyama, que significa “um lugar entre as montanhas e um pedaço de terra cultivável” e que acabou por se transformar numa filosofia de vida em que se vive em perfeita harmonia com a Natureza, em pleno respeito pelo meio ambiente, aproveitando de forma consciente e sustentável tudo o que a terra dá.

O Satoyama Farm Garden bem como todos os conjuntos de flores, plantas, bonsai, etc. têm por trás esta filosofia e esta inspiração. Neste pavilhão, consegue sentir-se de uma forma muito única e subtil a harmonia do Homem com a Natureza.

Holanda ‒ Casas sustentáveis – Um exercício muito interessante, duas pequenas casas de tipologias diferentes, construídas com materiais ecológicos, nas quais o espaço é utilizado ao máximo, tal como se faz nos barcos e nas autocaravanas e também são autossustentáveis em ternos energéticos.

Nos jardins envolventes, os materiais são muito inovadores, sendo alguns pavimentos e coberturas de solos feitos com cascas e caroços de frutos como amêndoas e pêssegos, o que é algo muito interessante dado permitir o aproveitamento de algo que normalmente vai para o lixo.

The Natural Pavillion – Este é um pavilhão particularmente interessante, onde, além de toda a construção ser sustentável, no final, o próprio pavilhão ser reconvertido noutro uso. Lá dentro temos uma enorme gama de matérias-primas que podem ser utilizadas para a construção civil, decoração, peças de vestuário, etc. e que têm origem biológica, são sustentáveis e a sua produção tem um baixo grau de emissão de gases. São matérias-primas fabricadas à base de algas, materiais vegetais vários, materiais reciclados, etc

Grande Estufa – Nesta estufa que ocupa quase um hectare, podemos encontrar uma mostra da produção holandesa de plantas ornamentais, hortícolas, aromáticas, artigos de jardinagem, decoração e mobiliário para jardim. Também se pode ver uma série de formas de produção inovadoras tecnologicamente, bem como formas de manutenção sustentáveis e amigas do ambiente

Green Island e Utopia Island – Aqui podemos visitar vários jardins temáticos, com peças de arte extraordinárias de grande dimensão, muitas delas construídas em materiais naturais, como o “corno dos desejos” ou a vigia, e espaços plantados como a agrofloresta, o “jardim da paz” ou as florestas flutuantes, roseiral, um arboreto, um jardim sensorial, vários jardins temáticos. Uma enorme diversidade de espaços que nos permite estar o dia inteiro a passear e a descobrir novas perspetivas, ideias e inspirações.

Agrofloresta – Ao longo de um hectare está plantado todo um ecossistema de floresta comestível, onde as árvores de fruto, plantas hortícolas, aromáticas, pequenos frutos e plantas ornamentais convivem em perfeita harmonia, criando uma biodiversidade e uma paisagem que pode ser a cidade do futuro, que nos alimenta ao mesmo tempo que nos fornece o oxigénio e nos dá espaço de recreio. Há ainda vários jardins de frutos, hortas, etc., onde todos os dias há várias atividades pedagógicas para adultos e crianças.

Florestas flutuantes – Uma produção de arte da empresa Mothership que consiste em 20 boias sinalizadoras do mar do Norte, que  foram recicladas e cheias com substrato e plantadas com ulmeiros, uma árvore típica holandesa.

Floriade – Todos os dias há eventos para crianças, espetáculos ao vivo e demonstrações várias. Também pode experimentar vários tipos de comidas espalhados pelo espaço do evento, desde comida de rua como restaurantes, é um evento que traz muitas novidades e reflexões a quem se preocupa com o futuro das cidades, dos espaços verdes e de um planeta mais verde e sustentável.

 

E foi assim a primeira viagem Jardins do Mundo, organizada pela revista Jardins e a agência de viagens Cooltravel. Uma viagem cheia de beleza, que deixou todos os participantes mais ricos com esta experiência. Será com certeza a primeira de muitas viagens, pois o nosso mundo é imensamente vasto e cheio de lugares bonitos, floridos, cheios de história e merecedores de uma visita. Fiquem atentos à nossa revista para futuros destinos.

 

Texto: Teresa Chambel e José M. M. Santos

Fotos: José M. M. Santos, Paulo Assunção, Sofia Raimundo e Teresa Chambel

 

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