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Cientistas italianos e português descobrem o “laboratório paleontológico” de Leonardo da Vinci

O wallpaper do Windows 95 mostrava onde nasceu a paleontologia.

Leonardo da Vinci descobriu a verdadeira natureza dos fósseis usando os Apeninos de Piacenza (Itália) como laboratório. Esta conclusão revolucionária foi alcançada num novo estudo realizado por uma equipa internacional de cientistas liderada pelo paleontólogo Andrea Baucon (Universidade de Génova) e que inclui Girolamo Lo Russo (Museu de História Natural de Piacenza), Carlos Neto de Carvalho (Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO – Município de Idanha-a-Nova / Instituto D. Luiz, Portugal) e Fabrizio Felletti (Universidade de Milão). O estudo foi publicado na edição de março da revista RIPS (https://doi.org/10.54103/2039-4942/16972), que está entre as 30 melhores revistas de geologia do mundo (fonte: Clarivate – Journal CItation Reports) .

“Descobrimos o lugar onde nasceu a paleontologia. Este lugar fica nos Apeninos de Piacenza, 100 km a sudoeste de Milão”, explica Baucon. Este resultado foi alcançado comparando os códices de Leonardo da Vinci com o registro fóssil dos Apeninos. Especificamente, Baucon e colaboradores estudaram sistematicamente os diários de Leonardo, descobrindo uma parte esquecida do Leicester Codex. Nesta passagem, Leonardo descreve formas curiosas na pedra, interpretando-as corretamente como icnofósseis, ou seja, como vestígios fossilizados do movimento de animais antigos.

“Foi um momento eureca quando descobri que Leonardo entendia a verdadeira natureza dos icnofósseis. Esses são os fósseis mais difíceis de entender. Até à primeira metade do século XX, a maioria dos cientistas interpretava-os erroneamente como algas”. No Códice Leicester, Leonardo também intuiu a natureza orgânica das chamadas “conchas petrificadas”, ou seja, os restos fósseis de antigos moluscos que os contemporâneos de Leonardo interpretaram como curiosidades inorgânicas. Cinco séculos antes de qualquer cientista, Leonardo uniu as duas metades da paleontologia – somatofósseis e icnofósseis. No entanto, uma pergunta permaneceu sem resposta até agora: onde estava localizado o laboratório paleontológico de Leonardo da Vinci?

Baucon e seus coautores responderam precisamente a essa pergunta. “Pegue num mapa dos Apeninos de Piacenza e desenhe uma circunferência de 40 km centrada na cidade de Castell’Arquato. Aqui era o laboratório paleontológico de Leonardo“, diz Baucon. A precisão dessa conclusão é ditada pelas restrições geográficas e geológicas impostas pelo próprio Leonardo. No final do séc. XV, Leonardo estava em Milão para trabalhar num monumento equestre, quando os camponeses lhe trouxeram moluscos fósseis com perfurações (icnofósseis). De acordo com as palavras de Leonardo, esses fósseis foram encontrados nas “montanhas entre Parma e Piacenza”. Leonardo diz ainda que existem icnofósseis produzidos por vermes marinhos, ou, usando as palavras de Leonardo, “ainda podemos encontrar vestígios de vermes, que se moviam entre as camadas quando ainda não estavam secas”.

No novo estudo, Baucon e colegas descrevem um novo sítio paleontológico (Pierfrancesco) muito rico em icnofósseis de organismos semelhantes a vermes. O local está localizado a uma curta distância da cidade histórica de Castell’Arquato, onde também são encontrados moluscos. “As cinco indicações geográficas de Leonardo estão satisfeitas: ele indicou uma área entre Parma e Piacenza, montanhosa, rica em moluscos fósseis, e com dois tipos diferentes de icnofósseis, ou seja, conchas perfuradas e icnofósseis de organismos semelhantes a vermes entre as camadas” diz Baucon. Para alcançar este resultado, não foram necessários meios de alta tecnologia, mas muita perseverança e um pouco de sorte. Na verdade, o códice de Leonardo sobre icnofósseis estava lá para todos verem… em 1994 o Leicester Codex foi comprado por Bill Gates, que o incluiu como papel de parede para o Windows 95!

O estudo tem importância não só histórica, mas também paleontológica. A descoberta do novo sítio paleontológico de Pierfrancesco lança uma nova luz sobre a biodiversidade dos ecossistemas marinhos profundos que, entre 50 e 70 milhões de anos atrás, caracterizavam os Apeninos de Piacenza. Em particular, o estudo descreve como os ecossistemas marinhos reagiram a imensas perturbações ecológicas, desencadeadas por correntes turbidíticas capazes de transportar quilômetros cúbicos de sedimentos para as profundezas do abismo. As variações na oxigenação e/ou teor de nutrientes desempenharam um papel fundamental, sublinhando o precioso equilíbrio que rege os ecossistemas marinhos.

“De certa forma, foi Leonardo da Vinci quem trouxe a mim e meus colegas para Pierfrancesco. Gosto de pensar que o nosso estudo paleontológico continua o legado intelectual de Leonardo“, diz Baucon. Segundo os cientistas, o próximo passo será divulgar ao público em geral a extraordinária diversidade icnológica dos Apeninos de Piacenza, um lugar onde a história e a ciência se encontram.

Artigo em:

Baucon, A., Lo Russo, G., Neto de Carvalho, C., Felletti, F. (2022). ChondritesCladichnus ichnocoenosis from the deep-sea deposits of Pierfrancesco (Cretaceous; Italy): oxygen or nutrient-limited? RIPS 128 (https://doi.org/10.54103/2039-4942/16972)

 

Contacto

Andrea Baucon – www.tracemaker.com

[email protected] | [email protected] | +39 349 71 29 752

Carlos Neto de Carvalho – [email protected] 

 

Cientistas

Andrea Baucon é paleontólogo da Universidade de Génova. A sua investigação aborda a relação entre a vida e o substrato (icnologia), enfatizando o papel evolutivo e ecológico dos organismos escavadores. Ele trabalhou anteriormente como Professor de Paleontologia na Universidade de Trieste e lidera uma equipa internacional de cientistas que estudam os efeitos das mudanças climáticas nas interações organismo-substrato (projeto CAMBIACLIMA).

 

Girolamo Lo Russo é icnólogo, curador da seção icnológica do Museu de História Natural de Piacenza. Desde 1995 desenvolve atividades de investigação científica e de ensino, dando particular ênfase ao património geológico de Piacenza. A atividade de ensino é realizada no seio do Museu de História Natural de Piacenza e da Sociedade de Ciências Naturais de Piacenza.

 

Carlos Neto de Carvalho é geólogo colaborador do Instituto D. Luiz da Universidade de Lisboa, técnico do Município de Idanha-a-Nova e coordenador científico do Geopark Global Naturtejo UNESCO. A sua investigação ao longo de mais de 20 anos trata da evolução do comportamento preservado no registro fóssil, especialmente com foco no registro sedimentar das interações comportamento-ambiente.

 

Fabrizio Felletti é professor de geologia e sedimentologia na Universidade de Milão. A sua investigação centra-se no estudo de sistemas sedimentares, desde a análise de fácies até à modelação geoestatística, visando também caracterizar unidades siliciclásticas e carbonatadas tanto como reservatórios de hidrocarbonetos como como depósitos de águas subterrâneas.

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