Uma surpresa chamada Colômbia! Viajar é, por vezes, um exercício de descoberta e de desconstrução de preconceito.
A Colômbia, país tantas vezes reduzido a estereótipos, revelou-se numa surpreendente e inesquecível viagem de dez dias: um destino onde Natureza, arquitetura e história se entrelaçam numa tapeçaria vibrante de cor, vida e cultura. Desde o frio inesperado de Bogotá até à explosão de alegria e cor de Cartagena das Índias e das ilhas do Rosário, a Colômbia conquistou-me desde o primeiro instante.
Bogotá: Capital entre árvores e pedras antigas

A minha passagem por Bogotá foi breve, mas suficiente para perceber que esta cidade merece ser visitada com tempo e atenção. Fiquei instalada num bairro repleto de árvores e jardins, um oásis verde que suaviza o ritmo acelerado da capital. Mas é em La Candelaria, o bairro mais antigo, que Bogotá revela a sua verdadeira essência.
Fundado em 1538, La Candelaria preserva o traçado espanhol, com ruas estreitas de paralelepípedos e casas coloridas, muitas delas restauradas, que mantêm a autenticidade e o charme da época. A Praça de Bolívar é o coração do bairro, rodeada de edifícios monumentais como a Catedral Primada, o Capitólio Nacional e a Câmara Municipal. Aqui, a arquitetura colonial e neoclássica mistura-se com a vida contemporânea: igrejas barrocas convivem com cafés modernos e galerias de arte urbana, criando uma atmosfera onde tradição e inovação caminham lado a lado.
Explorar La Candelaria a pé é mergulhar na história e na cultura de Bogotá, sentir o pulsar de uma cidade que se reinventa sem esquecer as suas raízes. É fácil perder-se entre becos e praças, descobrindo recantos onde a arte e a memória se encontram.
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Cartagena das Índias: O esplendor da arquitetura colonial
Se Bogotá me seduziu pela sua sobriedade e elegância, Cartagena das Índias arrebatou-me com a sua exuberância, cor e magia. Esta cidade, que já habitava o meu imaginário através dos romances de Gabriel García Márquez, é um verdadeiro palco de realismo mágico onde cada esquina conta uma história.
História e muralhas: A cidade que resistiu ao tempo
Fundada em 1533 pelo espanhol Pedro de Herédia, Cartagena rapidamente se tornou um dos portos mais importantes do Caribe, essencial para o comércio de metais preciosos e escravos. A sua riqueza atraiu piratas e potências estrangeiras, o que levou à construção de muralhas e fortalezas que ainda hoje desenham o perfil da cidade. Em 1811, Cartagena declarou a sua independência da coroa espanhola, resistindo heroicamente a cercos e batalhas, o que lhe valeu o título de La Heroica.
O centro histórico, classificado como Património Mundial pela Unesco desde 1984, é rodeado por cerca de oito quilómetros de muralhas do século XVII, erguidas para proteger a cidade dos ataques constantes. Estas muralhas, com as suas sentinelas de pedra e baluartes, são um testemunho vivo da arquitetura militar colonial, e passear sobre elas ao entardecer é uma experiência única, com vistas sobre o mar e a cidade antiga.
Arquitetura: Conventos, varandas e praças floridas
Cartagena é uma celebração da arquitetura colonial, militar e religiosa. As ruas estreitas, as casas coloridas com varandas de madeira trabalhada e os pátios interiores repletos de flores criam um ambiente de festa permanente. Muitos dos edifícios que hoje albergam hotéis, bibliotecas e colégios foram, em tempos, conventos de ordens religiosas espanholas, cuja presença moldou a estrutura urbana da cidade muralhada e dos seus bairros.
O bairro de Getsemaní, fora das muralhas, é um exemplo de renovação urbana com arte de rua e vida boémia a conviverem com a tradição. Os murais coloridos, as praças animadas e os cafés alternativos dão a este bairro um carácter jovem e criativo, sem perder o respeito pela herança histórica.
Passear por Cartagena é um prazer para todos os sentidos: a profusão de buganvílias e outras trepadeiras nas portas das casas, as cores vibrantes das fachadas, as pinturas murais e as bandeirolas que enfeitam as ruas criam uma atmosfera de festa contínua. O aroma das flores mistura-se com o das frutas tropicais e das especiarias, enquanto a música ao vivo ecoa em cada esquina.
O túmulo de Gabriel García Márquez: Literatura e património
Cartagena foi também casa de Gabriel García Márquez, o Nobel da Literatura cuja obra imortalizou a cidade e a região. O seu túmulo encontra-se no claustro La Merced da Universidade de Cartagena, que o escritor frequentou e que faz parte do património colonial da cidade. O busto em bronze, esculpido por Katie Murray, é hoje local de peregrinação para admiradores de todo o mundo, que ali deixam flores e mensagens. A biblioteca e livraria do claustro perpetuam a ligação entre literatura e património, oferecendo obras do autor e recordações para quem deseja levar um pouco de Macondo consigo.
Bocagrande
Como contraste da cidade muralhada temos este bairro moderno e cosmopolita situado numa península ao sul da cidade histórica. É conhecido pelos seus arranha-céus, hotéis de luxo, restaurantes, bares, passeio marítimo e praias movimentadas, sendo considerado o epicentro comercial e turístico moderno da cidade.
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Jardim Botânico de Cartagena “Guillermo Piñeres”: Oásis de biodiversidade
A cerca de 35-40 minutos de Cartagena, em Tubarco, Bolívar, encontra-se um dos tesouros menos conhecidos da região: o Jardim Botânico “Guillermo Piñeres”. Situado no meio da floresta, este jardim é considerado uma das principais atrações ecológicas do Caribe colombiano, não só pela sua coleção botânica, mas também pelo seu enquadramento paisagístico e papel na preservação do ecossistema local.
História e missão do jardim
Fundado em 1978, graças à doação de terras por María Jiménez de Piñeres em homenagem ao seu marido, o jardim nasceu com o objetivo de proteger o bosque seco tropical, um dos biomas mais ameaçados do planeta. Inicialmente apoiado pelo Banco Central da Colômbia, o jardim é hoje gerido pela COMFENALCO, em parceria com a Fundação Jardim Botânico, que desenvolve projetos de investigação e educação ambiental.
Coleção botânica: Um património vivo
O jardim botânico alberga mais de 300 espécies de plantas da floresta tropical seca colombiana, além de espécies ornamentais exóticas de outras regiões tropicais. Entre as suas coleções destacam-se 350 espécies nativas e exóticas, organizadas em jardins temáticos como o evolutivo, o de plantas medicinais e o orquidário. O jardim é um verdadeiro laboratório ao ar livre, onde é possível observar exemplares notáveis como o cajueiro gigante (Anacardium excelsum),com cerca de 500 anos, e árvores como Ficus maxima, Aspidosperma desmatum, Astrocaryum malybo e Ficus citrifolia.
O herbário do jardim, com 14.000 amostras recolhidas desde 1978, inclui espécies de ecossistemas que hoje já desapareceram devido à desflorestação. O banco de germoplasma, com mais de 170 espécies e quase 300.000 sementes, é fundamental para a conservação do bosque seco tropical, permitindo a restauração de áreas degradadas e a preservação da biodiversidade.
Investigação, educação e conservação
O jardim botânico é reconhecido internacionalmente pelo Botanic Gardens Conservation International (BGCI) e pelo governo colombiano como Centro de Ciência. Além da conservação ex situ (coleções vivas e bancos de sementes), o jardim protege também áreas de floresta intacta (in situ), funcionando como modelo de gestão ambiental no Caribe. O espaço serve de centro de investigação para estudantes e cientistas, oferecendo acesso a coleções botânicas, viveiros e uma biblioteca especializada. Os programas educativos aproximam a comunidade local da Natureza, promovendo a consciência ambiental e o envolvimento na preservação do património natural.
Macondo: A árvore da literatura
Uma das árvores mais emblemáticas do jardim é o macondo (Cavanillesia platanifolia), que inspirou Gabriel García Márquez a dar nome à terra fictícia da família Buendía no romance Cem Anos de Solidão. A vegetação que envolve o jardim remete ao universo mágico descrito no livro, e muitos habitantes locais chamam a esta zona Macondo, em homenagem ao autor. A série da Netflix baseada no romance, filmada integralmente na Colômbia, reforçou esta ligação entre literatura, Natureza e identidade nacional.
Ilhas do Rosário: Natureza e tranquilidade
A viagem não estaria completa sem uma visita às ilhas do Rosário, um arquipélago paradisíaco a cerca de 40 quilómetros de Cartagena, composto por 30 a 40 ilhas e ilhotas. Estas ilhas, protegidas como Parque Nacional Natural Corales del Rosario y de San Bernardo, são um santuário de biodiversidade marinha, com recifes de coral, manguezais e uma vida marinha exuberante.
Isla del Encanto: Entre jardins e mar
Escolhemos a Isla del Encanto, famosa pela sua tranquilidade, praias de areia branca e águas cristalinas. O hotel, com apenas 18 bungalows integrados na vegetação, oferece conforto e privacidade, com uma vista deslumbrante sobre o mar. Acordar ao som do papagaio Coco, que pousava diariamente no telhado da varanda, tornou-se um ritual divertido. A ilha dispõe de piscina, restaurante de cozinha caribenha, áreas de descanso, caiaques e atividades como passeios ao oceanário e snorkeling. As praias quase desertas e os jardins luxuriantes criam um ambiente de paraíso intocado, proporcionando um contacto total com a Natureza.
Os jardins do hotel são um espetáculo à parte, com palmeiras, flores tropicais e uma profusão de verdes que acalmam e revigoram. A água do mar, a 28oC, convida a banhos demorados, enquanto o silêncio só é interrompido pelo canto dos pássaros e pelo som das ondas. Uma iguana gigante, habitante local, descia as escadas da piscina para se banhar no mar, compondo o cenário de uma ilha quase selvagem.
Colômbia, país de património e natureza
Ao fim de dez dias, ficou a certeza de que a Colômbia é um país a que quero voltar. A riqueza da sua arquitetura colonial, a diversidade da sua flora e fauna, a profundidade da sua história e a hospitalidade do seu povo criam uma experiência única, que vai muito além do turismo convencional.
Em Bogotá, respirei história e modernidade. Em Cartagena, vivi o esplendor da arquitetura colonial e a magia das ruas floridas. No jardim botânico, compreendi a urgência da preservação ambiental e a beleza da biodiversidade. Nas ilhas do Rosário, experimentei o paraíso em estado puro.
A Colômbia é uma festa de flores, cores, sabores e histórias. Um país onde a arquitetura e a botânica se encontram, onde a literatura ganha vida e onde cada viagem é o início de um novo capítulo. Para quem se permite embarcar nesta aventura, fica o desejo inevitável de regressar – porque na Colômbia há sempre mais para descobrir.