As longas raízes desta cameleira (ou japoneira) estão cravadas nas mui antigas Terras de Basto, na antiga Casa da Cruz, em Gagos, Celorico de Basto. Que engraçado o seu tronco!
O seu possante tronco…Dividido em dois, como se de duas camélias irmãs se tratasse, cujos velhos ramos se entrelaçam e fundem, apoiados nas pedras do velho muro.
Dela brotam flores irmãs, umas brancas, outras rosa… Seria esta curiosa dualidade o prenúncio, há cerca de 150 anos, para o nascimento de uns jardins de encantar, fruto do sonho também de duas irmãs?
Não as da camélia, claro! Mas duas senhoras da família Pinto Basto, sobrinhas do fundador da famosa Fábrica da Vista Alegre.
Origem das topiárias de Basto
Recuemos até meados do século XIX. Nesta altura, as manas, com os peculiares nomes Emília Ermelinda e Justina Praxedes, viviam em Inglaterra com o seu tio, representante da Companhia dos Vinhos do Alto Douro.
Por terras de Sua Majestade viram uns jardins dignos de contos de fadas, povoados de estranhas “criaturas” verdes, umas geométricas, outras bizarras. Na verdade eram topiárias, monumentais topiárias feitas pelos habilidosos jardineiros ingleses.
Estes jardins antigos, muitos ainda do final do século XVII e inícios do XVIII eram fruto da inspiração no jardim barroco francês e nos desenhos de André Le Nôtre, autor dos faustosos jardins do Palácio de Versalhes.
Mas os ingleses quiseram ser diferentes dos eternos rivais franceses e resolveram inovar! As “suas criaturas” tornaram-se mais arredondadas e estilizadas e não excessivamente geométricas como as do Rei Sol francês.
As irmãs Pinto Basto terão ficado deslumbradas com tão rara beleza e, quando voltaram para Portugal, para se casarem, resolveram dar vida a estas “criaturas” por Terras de Basto.
Emília Ermelinda casou-se com José Pinto Dá Mesquita de Queiroz e Lemos, senhor da Casa da Igreja e da Quinta do Prado, ambas em Celorico de Basto, e sua irmã Justina Praxedes casou-se com Teodoro António de Carvalho e Almeida Leite Pereira, senhor da Casa de Piellas, em Painzela, Cabeceiras de Basto.
E do sonho passaram à realidade! Chamaram os seus hortelões e instruíram-nos para criarem aquelas fabulosas “criaturas”…Tal e qual as inglesas, mas…
Pelas verdejantes terras minhotas de transição serrana jamais haviam visto tal coisa! Podar a vinha, o buxo, era fácil, mas serem autênticos Nicolaus Nasonis da topiária já era pedir de mais!
Então fez-se luz…D. Justina Praxedes lembrou-se de mandar o seu jardineiro Manuel Joaquim Alves Soares, que havia recolhido em sua casa desde os 3 anos de idade, estudar desenho para o Porto.
Anos depois, nasceu um artista que deu vida às primeiras “criaturas” que povoaram os jardins das casas das manas Pinto Basto.
Teixos, cedros e, claro, camélias, as magníficas camélias, também chamadas japoneiras ou rosas-da-china e rainhas das Terras de Basto, foram a matéria-prima para as loucas “criaturas”.
E assim nasceram os “Jardins de Basto”. Por um lado, formais e clássicos, marcados por canteiros de buxo mais ou menos geométricos e, por outro, cheios de recantos e caminhos sinuosos, à maneira inglesa.
Com uma inovação…Monumentais topiárias! Aqui a arquitetura é verde, desenvolvida em patamares onde as arcadas formam rotundas e os caramanchões servem de casas de fresco, onde serpenteiam esculturas de animais fantásticos, estilizados, criando um verdadeiro bestiário. Só de uma mente prodigiosa poderiam sair estes jardins privados!
Aqui é o tudo, à boa maneira barroca, o horror ao vazio. As “criaturas” preenchem quase todo o espaço, dominam o jardim…
Belas “criaturas” formadas pelas orientais camélias que, desde o outono, com as perfumadas sasanqua, até à primavera, onde as japónicas pintam de branco, rosa e vermelho estes jardins misteriosos, ocultos, no meio do nada, por detrás de altos muros graníticos, deixando os monumentais portões de ferro das solarengas propriedades revelar um pouco daquelas maravilhas.
A moda das “criaturas” nos jardins
Mas a história destes jardins não se ficou pelo primeiro jardineiro das manas Pinto Basto… A ele sucedeu uma hábil dinastia de jardineiros; o principal herdeiro da arte foi o seu filho Joaquim Alves Soares.
A ele se deve a maioria dos jardins privados dos vetustos solares nortenhos desta região. A moda espalhou-se.
Toda a aristocracia e até o aspirante “brasileiro” queriam as “criaturas” nos seus velhos e novos jardins.
E, assim, o jardineiro escultor criou, criou e criou. Passava os seus dias de solar em solar a moldar e a dar vida às misteriosas “criaturas”.
A sua tesoura era o cinzel e as camélias, a delicada pedra que formava aqueles gigantes, colocados em exíguos patamares.
Mas moda foi além-fronteiras e ensaiou-se nas outras Casas das famílias originárias de Basto.
Alguns exemplos são os da Casa de Goladas, em Braga, da família de D. Justina Praxedes ou da Casa de Vicente, em Frades, na Póvoa de Lanhoso, de José de Barros Teixeira da Mota, que desenhou o jardim à semelhança também do seu da Casa da Cruz, de Gagos.
Quase tão famoso como estes jardins ficou o jardineiro.
Este artista de mãos calejadas pela tesoura, maravilhava as crianças dos donos dos solares e até as dos criados com os seus contos, miscelâneas de Hans Christian Andersen com outras histórias infantis salpicadas aqui e ali por pitadas da imaginação deste contador de estórias.
E ficaram na memória… Ainda hoje são recordados com imensa ternura por várias pessoas, como é o caso de D. Maria Teresa Corte Real Teixeira da Mota, senhora da Casa da Cruz, em Gagos.
Casa da Gandarela
Quando se pensava que já tudo tinha sido inventado, eis que surge, no início do século XX, um novo jardim, o da Casa da Gandarela, em São Clemente, Celorico de Basto.
O seu antigo proprietário Paulo da Cunha Mourão Carvalho Sotto Mayor desenhou e a magia fez-se pelas mãos de Joaquim Alves Soares.
Assim, passaram a conviver “monstros” e “bestas” de feições dúbias, em redor de um lago antigo como se fossem animais em volta de um oásis, desejando a fonte da vida, a água.
O tempo moldou estes velhos jardins, que se vão perdendo aos poucos, pois a dinastia dos hábeis jardineiros extinguiu-se!
Artistas precisam-se para dar vida às “criaturas” que continuam a sobreviver agarradas às suas velhas raízes, como as da mui antiga camélia Naban-jin.
São jardins de memórias de uma riqueza extrema que perduram no tempo e na vida privada da velha aristocracia. Memórias materializadas numa desaparecida “casa de fresco”, feita de um velho cedro guardado por possantes aves-do-paraíso.
Memórias de tertúlias familiares numa que ecoam por todos estes misteriosos jardins onde do nada surge o tudo.
Fotos: Joaquim Castro Gonçalves
Fotos antigas: Cedidas pelo proprietário dos jardins
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