Este é o famoso bálsamo da Judeia, que chegou a ser o produto agrícola mais caro de sempre.
Os triunfos de Vespasiano e Tito revelaram aos romanos o resultado do saque perpetrado na Judeia e incluíram tesouros e objetos de culto que, durante séculos, haviam sido conservados no Templo, em Jerusalém.
Entre o ouro e a prata exibidos no desfile triunfal, os espectadores puderam ver um arbusto, uma planta invulgar, certamente desconhecida de muitos.
Esse precioso arbusto [Commiphora gileadensis (L.) C.Chr.] produzia o bálsamo-de-guilead – o mais caro produto agrícola de sempre.
A Bíblia refere o bálsamo em apenas três versículos: quando José foi vendido, pelos seus irmãos, a comerciantes que vinham de Guilead (Génesis, 37.25); em Jeremias (8.22), quando o profeta pergunta «Porventura não haverá bálsamo em Guilead?» e, também em Jeremias (46.11) «Sobe a Guilead, em busca de bálsamo».
A comum ligação entre Jesus Cristo e o bálsamo-de-guilead advém da convicção de que a fé em Cristo é um bálsamo que proporciona conforto físico e espiritual.
Planta que produz o bálsamo-de-guilead
A planta do bálsamo pertence ao género botânico da mirra [Commiphora myrrha (T.Nees) Engl.] e, tal como esta, não é nativa da Judeia mas da Península Arábica, em especial do Iémen e de Omã.
Também se encontra no Sul do Egipto, Sudão e Etiópia, embora, nestes locais, possa ter sido introduzida.
O nome hebraico da planta (apharsemon) está relacionado com o grego opobalsamum; um dos nomes científicos desta planta foi Commiphora opobalsamum (L.) Engl.
Segundo o historiador Flávio Josefo (c.37-100 d.C), o bálsamo terá sido uma oferta da rainha de Sabá, quando esta visitou o rei Salomão e lhe ofereceu maravilhas nunca antes vistas no reino de Israel.
A Bíblia refere-se esta visita no Primeiro Livro dos Reis (10:1-2) «A Rainha de Sabá, tendo ouvido falar da fama que Salomão alcançara para Bálsamo-de-guilead (dos choupos) glória ao Senhor, veio pô-lo à prova por meio de enigmas.
Chegou a Jerusalém com um séquito muito importante, com camelos carregados de aromas, enorme quantidade de ouro e pedras preciosas».
Os arbustos do bálsamo eram cultivados em duas regiões próximas do mar Morto (Jericó e Ein-Gedi), onde, ao longo de mais de 1000 anos, foram selecionados para melhor se adaptarem às condições edafoclimáticas (solo e clima) da região e, também, para aumentar a quantidade e qualidade das secreções aromáticas, que, segundo as fontes clássicas, por exemplo, Plínio (História Natural, Livro 12.54), eram utilizadas na génese de um perfume magnífico (com aroma de pinheiro e limão) e de um bálsamo com pro- priedade medicinais únicas.
Plínio refere que o bálsamo tinha um preço duas vezes superior ao da prata, e, mais tarde, já na Alta Idade Média, o bálsamo valia duas vezes o seu peso em ouro.
Colheita do bálsamo
O bálsamo era obtido através de pequenas incisões feitas no caule, com um pedaço de vidro, pedra ou osso.
Se o instrumento utilizado fosse de ferro, o caule onde era feita essa incisão secava, provavelmente devido à maior profundidade do corte ou ao facto de o ferro ser tóxico para a planta.
Não se utilizava apenas a secreção, o caule lenhificado e seco (xilobálsamo) também tinha uso medicinal, embora fosse considerado uma matéria de inferior qualidade.
Utilizações do bálsamo
O bálsamo-de-guilead era um dos ingredientes utilizados no incenso que, duas vezes por dia, se queimava no Templo, em Jerusalém.
O historiador Flávio Josefo refere (Guerras Judaicas 18.5) que Cleópatra VII (69-30 a.C.), a última dos Ptolomeus, dinastia grega que governou o Egipto entre c.323 e 30 a.C., detinha os lucros do comércio do bálsamo, por imposição do general romano Marco António (83-30 a.C.) ao rei Herodes, o Grande (c.73-4 a.C.).
Após a derrota de Cleópatra e Marco António, na Batalha de Áccio (31 a.C.), o lucro do comércio retornou para os cofres dos monarcas hebraicos e terá sido uma das fontes financeiras que possibilitaram o ambicioso programa de construção empreendido por Herodes, o Grande, nomeadamente, a renovação do Segundo Templo e a construção de um palácio na Fortaleza de Massada que seria, mais tarde, um símbolo da resistência judaica contra a opressão romana.
Desaparecimento das produções de bálsamo
Não se conhece até quando as plantações de bálsamo se mantiveram em produção, mas é possível que tenham sido abandonadas após a conquista árabe (638 d.C.), quando os mercados tradicionais europeus se fecharam, em especial os de Roma e Constantinopla, e, também, porque os novos governantes queriam que os agricultores cultivassem outras plantas, como a cana-de-açúcar.
A secreção da árvore do bálsamo continuou a ser comercializada, vinda de outros locais (Egipto, Arábia), sob outros nomes (mirra-de-meca) e com um muito menor preço, talvez porque as técnicas de apurada colheita e processamento, praticadas pelos agricultores em Jericó e Ein-Gedi, se haviam perdido.
É possível que os arbustos cultivados na Terra Santa fossem variedades que não se encontravam no estado silvestre e a composição química da secreção poderá ter sido distinta da encontrada no habitat natural (quimiotipos).
Em 1760, foi publicado, em Londres, um ensaio sobre o cultivo de bálsamo na Arábia (An Essay Upon the Virtues of Balm of Gilead), que incluiu uma gravura na qual se observa um janízaro guardando um arbusto de bálsamo, provavelmente para reforçar o valor simbólico e material destas plantas, já que os janízaros eram a mais temível tropa de elite do império otomano.
Três anos depois, o botânico Pehr Forsskal (1732-1763), ao serviço do rei da Dinamarca e da Noruega, e tendo como mentor o botânico Carl Lineu (1707-1778), partiu para o sul da Península Arábica, na demanda da árvore-do-bálsamo bíblico.
Seguindo as informações escritas pelos autores clássicos greco-romanos, tê-la-á encontrado em Oude, no Iémen, região que se acreditava corresponder ao lendário reino de Sabá.
Os resultados desta expedição foram publicados postumamente, porque Forsskal faleceu durante a expedição, vítima de malária.
O nome bálsamo-de-guilead foi, também, atribuído a outras plantas, por exemplo, aos botões foliares do choupo-do-bálsamo [Populus × jackii Sarg. (= Populus gileadensis Rouleau)] que é um híbrido entre as espécies Populus deltoides W.Bartram ex Marshall e Populus balsamifera L., e do qual se obtém uma secreção com usos medicinais, embora esta planta em nada se relacione com o bálsamo bíblico.
Novas produções de bálsamo em Israel
A reintrodução da espécie Commiphora gileadensis (L.) C.Chr. em Israel para a produção de bálsamo foi tentada diversas vezes sem sucesso até que, em 2008, se conseguiu estabelecer uma plantação em Jericó, próximo da área onde havia sido cultivado durante mais de 1000 anos.
Esta plantação tem dimensão suficiente para produzir bálsamo comercial; além de bálsamo, também cultivam outras plantas bíblicas, como as plantas produtoras de incenso (Boswellia sacra Flueck.) e mirra.
No domínio das aplicações medicinais, o bálsamo-de-guilead demonstrou, em ensaios desenvolvidos em laboratório (in vitro e in vivo), uma assinalável capacidade anti-inflamatória e anti-cancerígena, havendo muita expectativa quanto ao seu futuro uso na medicina convencional.
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