Ornamentais

O fascínio das folhas

São tão misteriosas e surpreendem-nos em todas as estações, dormem no inverno, despertam na primavera, desenrolando-se e abrindo-se à medida que os dias aumentam.

As folhas fascinam-me em todas as estações. São tão misteriosas e surpreendentes, as folhas das árvores, quando, no inverno dormem no silêncio de ramos de aparência seca, quase morta, toda uma estação em invisível repouso, para logo, assim que um calorzinho se faz sentir, começarem delicadamente a empurrar o lenho seco dos ramos, formando gemas, com escamas ou sem escamas, mais avermelhadas ou mais acinzentadas, inchando e rasgando a ramagem de árvores e arbustos, numa eclosão lenta e delicada mas firme e decidida, desenrolando o seu verde devagarinho, como um leque que se abre para espreitar os dias que se alongam e o canto das aves que se multiplica.

A tília e a aveleira

Tenho no quintal uma tília e uma aveleira em íntima vizinhança que começam praticamente ao mesmo tempo este jogo do desabrochar das folhas. Observo-as, fotografo-as, comparo-as e provo também os seus rebentos saborosos, folhas tenrinhas e viscosas de sabor muito interessante e altamente nutritivo. As da tília são menos adstringentes do que as da aveleira e, portanto, mais agradáveis e recomendáveis para utilização na culinária. Quanto à aveleira, sabiam que esta é uma árvore sagrada para os celtas pois acreditavam que os protegia afastando os maus espíritos?

A árvore-da-castidade

Gosto também de observar o passo a passo ou melhor ramo a ramo ou folha a folha da árvore-da-castidade, também conhecida por pimenta dos-monges (Vitex agnus-castus) logo ali ao lado, desafiando os raios de sol e imitando cabeças, bicos e asas de pequenas aves que no outono levantarão voo e regressarão ao solo num eterno retorno onde tudo se decompõe e transforma em incríveis metamorfoses de vida morte-vida. “Eu, ateia, imagino desta forma a química da ressurreição. Num solo, a matéria orgânica de seres vivos mortos é convertida por microrganismos em minerais inertes. E as plantas fotossintetizadoras voltam a converter os mortos num corpo vivo… Se o sol é a energia, a fotossíntese é a tecnologia básica da vida.

Fascina-me a fotossíntese. É surpreendente que, naquela sopa primordial de células em interação, de repente, algumas delas começaram a converter a luz solar e minerais mortos no seu corpo vivo enquanto expulsavam, como um resíduo, o oxigénio para a atmosfera.” Isto disse-o Yayo Herrero, espanhola, antropóloga, engenheira, técnica agrícola, ativista e uma das mais reconhecidas vozes do ecofeminismo a nível europeu. Acrescenta ainda que faltam muitos poemas sobre a fotossíntese e eu não poderia estar mais de acordo.

Ora esta fotossíntese que tanto me fascina dá-se por excelência na superfície das folhas, salvo algumas exceções, como no caso da paineira (Ceiba speciosa), também conhecida por barriguda, em que se dá no tronco, nunca repararam numa espécie de estrias verticais no tronco destas árvores? Existem várias em frente ao CCB em Lisboa. Nalgumas orquídeas, este processo dá-se nas raízes e, no caso da gilbardeira, acontece nos cladódios, que são caules transformados.

As capuchinhas

Nos dias de chuva, as capuchinhas atapetam quase todo o quintal – outros diriam invadem, mas eu escolho dizer que são um tapete verde de pérolas dançantes e reluzentes que rebolam na superfície das folhas. Dado que estas folhas são hidrofóbicas, as gotas de chuva por vezes acumulam-se no centro, ampliando as nervuras centrais que daí irradiam em forma de estrela. Essas chagas ou capuchinhas (Tropaeolum majus) foram trazidas do Peru há centenas de anos e agora são consideradas invasoras.

Delas tudo se aproveita, a folhas, as flores e os frutos/sementes. O que mais gosto é o pesto das folhas de sabor picante e os picles confecionados a partir dos frutos. Gosto de fotografar as nervuras que são os tecidos vasculares das folhas por onde corre a seiva, fornecendo à folha água e sais minerais recolhendo as substâncias nutritivas. Ao desenho formado pelas nervuras chama-se nervação. As plantas monocotiledóneas apresentam folhas com nervação paralela como as gramíneas ou as zingiberáceas.

Nas plantas dicotiledóneas, as nervuras das folhas ramificam-se a partir da nervura central como no caso das urtigas, das labaças, das consoldas ou dos que tanto gosto de fotografar em contraluz, sempre surpreendida com esta elaborada rede de caminho por onde a seiva é transportada. Logo no início de janeiro, sinto-me como uma espécie de parteira, testemunha de tantos nascimentos, de folhas. Fascinam-me todas, observo e fotografo todas as que se me cruzam no caminho, os quercus, as folhas palmadas do castanheiro-da-índia, desenrolando-se e brotando das escamas como saias de bailarinas dançando na brisa.

As folhas dos fetos enroladinhas em espiral ou em báculo, aconchegando a futura folha até ser tempo de deslizar e abrir-se à luz, espreguiçando-se como uma lagarta que sai do casulo e estica as asas devagarinho até ser borboleta, até ser folha. A fotossíntese é o chamamento, a razão destes processos do escuro para a luz. Nenhum outro ser vivo tem esta capacidade de captar a luz do sol e transformá-la em alimento. Esta é uma das razões do meu incansável fascínio pelo mundo vegetal e, neste caso particular, pelas folhas com a sua multiplicidade de formas, texturas, tamanhos, nervuras e aromas.

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