Entrevistas

Os guardiões do Parque Terra Nostra

Alameda das palmeiras no Parque Terra Nostra, Açores

Alameda das palmeiras no Parque Terra Nostra, Açores

 

Situado nas Furnas, na Ilha de São Miguel, nos Açores, tem 12,5 hectares e é um dos jardins mais bonitos do mundo, muito graças à manutenção exemplar da dupla, pai e filha, Fernando e Carina Costa. Durante a conversa, além de todo o profissionalismo e sabedoria, foi muito bonito ver a relação de respeito mútuo e cumplicidade que têm.

 

Há quanto tempo trabalham no parque?

Fernando Costa: Há 41 anos, assim que acabei a tropa, vim logo para cá, nunca mais saí. Tenho 61 anos e não imagino a minha vida noutro local. Vivo dentro do jardim que é a minha casa.

Carina Costa: Profissionalmente há 12 anos que trabalho lado a lado com o meu pai, mas desde sempre estive ligada a este jardim, há 37 anos, pois nasci e vivi aqui grande parte da minha vida. Desde cedo soube que gostaria de trabalhar nesta área e, quando foi a altura de escolher o que estudar, optei por ir para a Universidade dos Açores, para a Terceira, estudar Ciências Agrárias, ramo Agronomia.

 

Por que razão é tão especial trabalhar neste jardim? O que é que ele tem de único?

F.C.: Este jardim faz parte integrante da minha vida, sinto-o quase mais meu do que dos proprietários com quem tenho uma excelente relação. É uma verdadeira pérola que temos em Portugal e, cada vez que morre uma planta, fico triste. Nos últimos 30 anos, o jardim mudou muito, mais de 40 por cento do que se pode encontrar no parque foi introduzido por mim. O facto de estar localizado nas Furnas, com as águas termais, rodeado por montanhas, cria um ecossistema único e ótimas condições para o desenvolvimento das plantas, e a sua riqueza botânica é excecional. Hoje em dia temos a melhor coleção de Cycas da Europa, com mais de 90 espécies, uma coleção de fetos, rara no mundo, e uma coleção de camélias com mais de 800 cultivares e cerca de 30 espécies diferentes. Temos também uma coleção de bambus, de plantas aquáticas e uma riqueza fabulosa em musgos.

C.C.: Nasci e cresci neste jardim. Para mim é uma grande honra trabalhar aqui e poder prosseguir com o legado do meu pai, pois grande parte das coleções botânicas existentes hoje em dia foram introduzidas por ele. O que torna este jardim único é a sua envolvência, o estar situado num vale, rodeado por montanhas cobertas de vegetação, a riqueza de águas termais que aqui se encontram, as fumarolas, a água quente, todos esses elementos fazem a diferença.

 

 

O Fernando e a Carina são pai e filha. Ccomo é trabalharem em conjunto e partilharem este amor pelo Parque Terra Nostra?

F.C.: A minha grande preocupação é a continuidade deste jardim e sei que a minha filha é a pessoa certa para dar seguimento a tudo o que fiz e introduzir novidades, pois já o começa a fazer e tem conhecimentos e gosto por isso. Sempre gostou do parque e de Natureza. Como se formou na área, o convite que lhe fiz para trabalhar comigo foi uma escolha natural.

C.C.: Trabalhar com o meu pai é muito bom, ele é um autodidata e grande parte das coleções do parque são da responsabilidade dele. É alguém com uma grande sensibilidade e conhecimento, um artista que conhece o espaço e tudo o que introduz de novas coleções faz todo o sentido e resulta. Já cá estou há 12 anos e tem sido um excelente trabalho de equipa.

 

Leia a entrevista a António Graça, mestre jardineiro do Jardim Gulbenkian.

 

Como é o dia a dia da manutenção de um jardim como este?

F.C.: Um jardim desta natureza, com muitos declives, não é fácil de manter. Há trabalhos que têm de ser feitos diariamente, como as mondas, pois com a humidade e temperaturas amenas há sempre muitas plantas a germinar onde não devem.

A poda das árvores que é feita maioritariamente no inverno consome muito tempo e muita mão de obra. Por vezes têm se ser feitas podas mais radicais para salvar algumas plantas que estão em risco de morrer. Quem faz a manutenção deve estar muito atendo no cuidado dos musgos, pois estes são únicos e, se não se souber, podem ser arrancados por engano.

C.C.: Durante a semana os 18 jardineiros estão divididos por zonas, cada um tem a sua especialidade para que saiba a fundo sobre as plantas que está a cuidar. Há equipas nas camélias, nas bromélias, nos fetos, nos bambus, etc. Ao fim de semana, estão todos a fazer a limpeza geral do parque. Há épocas do ano com trabalhos mais específicos, como quando se fazem nos nossos viveiros as sementeiras para as flores de época de verão ou quando estas são plantadas no jardim das flores. Em relação a pragas e doenças, este jardim não tem grandes problemas e raramente fazemos tratamentos, pois não gosto de usar produtos químicos. Temos um grande problema com fungos no solo, nomeadamente a Armillaria, que ataca muitas árvores e arbustos, mas pouco há a fazer. Ir cuidando das plantas que estão atacadas o melhor possível e substituindo as que morrem.

 

Qual melhor época do ano para visitar este jardim?

F.C.: Todas as épocas têm o seu encanto, o melhor é vir ver as novidades em cada estação.

C.C.: Cada estação tem os seus pontos altos: no inverno, as camélias; na primavera, os rododendros, as azáleas e as clívias; no verão, o jardim das flores com as cravos, dálias, petúnias, sálvias, cravinas – também no verão a coleção de fetos está exuberante. As plantas aquáticas também brilham no verão, com destaque para o nenúfar gigante (Vitoria cruziana), que está instalada num sistema de três tanques desenhados especialmente para ela pelo meu pai e onde a temperatura da água está sempre entre 22-23 oC, graças à utilização da água termal quente misturada com a água fria. No outono, é imperdível a alameda dos gingkos, quando as folhas destes ficam amarelas.

 

Têm alguma planta favorita?

F.C.: Sendo muito difícil escolher, pois é como perguntar a um pai se tem filhos preferidos, neste momento escolho uma camélia produzida por mim, a que dei o nome de uma das proprietárias do parque, a sra. dona Patrícia Bensaude, que foi sempre o meu anjo da guarda.

C.C.: Em cada época tenho as minhas preferências, neste momento, as camélias pois estão no auge da sua floração e são magníficas.

 

Maiores desafios para o futuro?

F.C.: O jardim está em obras, que em princípio só irão terminar no final deste ano. Depois teremos o grande desafio de plantar e arranjar todas as zonas que foram intervencionadas. Outro grande desafio é introduzirmos novidades no jardim todos os anos, para que este continue a ser considerado um dos jardins mais bonitos do mundo.

C.C.: Um dos maiores desafios é manter sempre a equipa de manutenção motivada e com vontade de fazer melhor.

 

 

Leia também “Fim de semana de camélias no Parque Terra Nostra”

 

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