Plantas

Verde adentro, Comida bravia nas margens do Rio Neiva

Rio Neiva

 

Neste passeio botânico de reconhecimento, recolhemos espécies de plantas silvestres que depois foram cozinhadas de forma comunitária sob orientação da chef Maria Tavares em lume de chão.

 

Foi num sábado soalheiro de novembro nas margens, quase foz, de um rio limpo, tranquilo onde as árvores dançam, as nuvens descansam e as pessoas caminham.

Inserida no Fórum internacional Arte e Comunidade, a Câmara Municipal de Esposende desafiou a Recoletora a apresentar uma proposta de atividade relacionada com as temáticas da ecologia, da sustentabilidade ambiental, da recoleção, da cultura gastronómica local, da autonomia alimentar e das práticas comunitárias.

E assim surgiu Verde Adentro, Comida Bravia nas margens do Neiva, com o importante apoio da Rio Neiva, Associação de Defesa do Ambiente.

 

 

O Neiva é um rio que nasceu ribeira, a ribeira do Amedo. Nasceu na serra de Oural a cerca de 700 metros de altura. Essa ribeira vai recebendo ao longo do seu caminho, com cerca de 40 km, água de outras ribeiras. De braços abertos vai acolhendo e embalando no seu leito como uma mãe acolhe os seus filhos, aumentado assim o seu caudal com estas linhas de água e afluentes, chegando mesmo a formar rápidos em alguns territórios ao longo deste percurso, sobretudo a montante. Acolhe lontras e bogas, corvos-marinhos, salamandras e cobras-de-água, enguias, libelinhas, garças-reais, rouxinóis e rãs, tritões e guarda-rios, bogas, trutas e enguias.

Este rio, tal como grande parte dos rios do mundo inteiro, vive em estreita relação com a comunidade humana que ao longo destes 40 km construiu mais de 177 engenhos como azenhas, moinhos, lagares de azeite, pesqueiras, entre outros.

Entristece-me saber que tantos são os rios vítimas de poluição causada por seres humanos que ainda não entenderam que a nossa interação com a Natureza tem de ser de profundo respeito e comunhão. Os rios são as veias do corpo da terra, nossa mãe.

Os rios convidam à interação, dão-nos paz, silêncio e vida. “Não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água”, pode ler-se no livro lançado neste Fórum de Arte e Comunidade. Neste Verde Adentro, A Recoletora propôs um passeio botânico, orientado por mim, de reconhecimento e recolha de algumas espécies de plantas silvestres que iriam depois ser cozinhadas de forma comunitária sob orientação da chef Maria Tavares em lume de chão.

O responsável pelo fogo foi o Alexandre Delmar, um dos criadores do projeto A Recoletora, juntamente com a Maria Ruivo.

Com o apoio de alguns participantes, numa zona do Parque Natural Litoral Norte perto da sede e Centro de Interpretação Ambiental do Neiva, instalámos mesas e preparámos todo o ambiente para acolher 25 pessoas que iriam preparar todos os alimentos recolhidos no passeio.

 

 

Plantas silvestres comestíveis

Na vizinhança do rio, encontramos morugem (Stellaria media), malvas (Malva sylvestris), urtigas (Urtica dioica), oxalis (Oxalis pes-capre), onagra (Oenothera sp), labaças (Rumex crispus), erva-vinagreira (Rumex acetosa), soagem (Echium sp), ansarina-branca (Chenopodium album), acelga-brava (Beta maritima), bredos (Amaranthus sp), umbigos-de-vénus (Umbilicus rupestris), mentrasto (Mentha suaveolens), serralhas (Sonchus oleraceae), diabelha (Plantago coronopus), prunela (Prunela vulgaris), entre outras.

A mais abundante era a incrível tanchagem (Plantago lanceolata), cujas folhas esmagadas se podem aplicar diretamente na pele contra as picadas de insetos. Dá jeito à beira da água.

Todas estas plantas são comestíveis, algumas são consideradas espécies invasoras, outras ervas-daninhas, mas não há nenhuma que não tenha interesse culinário e/ou medicinal.

Uma vez identificados e lavados, estes alimentos bravios, saudáveis e saborosos foram confecionados no fogo que os aguardava.

Os participantes envolveram-se todos com entusiasmo e fascínio pela descoberta e descodificação de tantos verdes, tantas texturas, tantos sabores e tanta abundância de comida grátis.

Arregaçámos as mangas e esticámos a massa pré-preparada para a confeção de pão árabe à qual fomos adicionando pétalas e sementes de onagra e algumas flores de soagem. Ficaram lindos.

 

Leia também “Ervas que se comem”

 

As deliciosas receitas

Elaborámos um pesto com morugem e avelãs e outro com erva-vinagreira, folhas de malva e alho-bravo, Allium triquetrum (este tinha sido colhido de véspera num outro baldio), qual deles o melhor.

Todos com mão na massa, preparámos ainda uma sopa silvestre de urtigas, serralhas, ansarina-branca e funcho. Que delícia.

Não nos ficámos por aqui e confecionámos uma omelete com folhas e algumas flores de mostarda-brava, Allium (caule e bolbo) e ansarina-branca.

Como se isto não bastasse para vos deixar a salivar, tínhamos à nossa espera, para sobremesa, umas deliciosas bolachas de aveia, mel, hortelã, urtiga e raspas de limão. A bebida a acompanhar o repasto era infusão de agulhas de pinheiro, rodelas de laranja, canela, gengibre e mel. O café que acompanhou as bolachas era uma aconchegante, nutritiva e saborosa infusão de bolota.

Se alguém nos tivesse perguntado “o que é para si um dia bom?”, não duvido de que a maioria teria respondido “um dia como este, relembrando a importância das vivências em comunidade, colhendo e preparando alimentos, ar livre, rios limpos, arte e ambiente”.

 

Fotografias de Fernanda Botelho, Mário Ferreira e a Recoletora.

 

Pode encontrar este e outros artigos na nossa Revista, no canal da Jardins no Youtube, e nas redes sociais Facebook, Instagram e Pinterest.


 

Poderá Também Gostar