Conheça uma tradição de utilização sustentável da água.
As chamadas minas de água são canais subterrâneos construídos para recolherem e transportarem água que sai da rocha-mãe e constituem uma obra notável de engenharia hidráulica.
Em Lisboa, a zona da Ajuda beneficia do contacto geológico entre os calcários característicos do subsolo da cidade e o afloramento basáltico da serra de Monsanto, pelo que a existência de água doce subterrânea é abundante. Razão por que, desde o século XVII, foram construídas várias minas. Estes canais tinham por objetivo assegurar as necessidades hídricas. Entre outros, eram abastecidos o Palácio da Ajuda e os seus jardins, os terrenos agrícolas envolventes, incluindo a Real Tapada da Ajuda, as Reais Quintas do Calvário e Belém, e os fornos de cal da Casa Real.
Localizado no bairro com o mesmo nome, o Jardim Botânico da Ajuda dispõe de uma das citadas minas. De 1993 a 1997, aquando de uma intervenção de reabilitação no âmbito do Projeto-piloto do Ano Europeu dos Jardins Históricos, coordenado por Cristina Castel-Branco, foi recuperado o sistema original de abastecimento de água para o jardim através daquele canal, que acumula em reservatório a água recolhida nos basaltos da serra de Monsanto. A recuperação da utilização da mina traduziu-se numa redução de custos na ordem de 15.000 euros/ano, dadas as necessidades de água para rega e abastecimento de lagos.
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Na Tapada da Ajuda, com uma área de 100 hectares, existem cinco minas, todas com uma altura média de 1,75 metros e uma largura de 0,7 metros (ver planta datada de 1901). A denominada mina da Geradora, que apresenta esta denominação por se localizar próximo do edifício da Geradora – antiga geradora de eletricidade dos Paços Reais, onde, após adaptação acolheu as aulas de Agricultura e Máquinas Agrícolas e serviu de espaço de exposição de alfaias agrícolas – percorre uma distância de 575 metros e tem, atualmente, duas entradas. A mina Oeste da Geradora estende-se ao longo de 200 metros. A mina dos Eucaliptos tem também uma extensão de 200 metros. A mina da Cova do Sobreiro ou Nordeste da Geradora alonga-se por 138 metros e encaminha a água para um grande reservatório junto ao edifício da Geradora. A mina da Vinha, com 50 metros de comprimento, teria tido a função de abastecer um palácio na zona do Calvário.
A Tapada da Ajuda dispõe de quatro furos de captação de água (Posto Apícola, Curral da Zootecnia e dois na Eira Velha), de três reservatórios, o da Geradora (com capacidade de armazenamento de 130 metros cúbicos), o do Miradouro (com capacidade de armazenamento de 300 metros cúbicos) e o da Zootecnia (com capacidade de armazenamento de 25 metros cúbicos). Possui também de quatro tanques, de dimensões apreciáveis e utilizados para armazenar água destinada à rega. Nas últimas décadas, tem-se feito um trabalho de reaproveitamento destes sistemas tradicionais, estando atualmente a maior parte dos campos agrícolas, florestais e jardins a serem regados por água oriunda destas estruturas hidráulicas. Com mais de quatro séculos de existência, este património testemunha a importância da captação, transporte e utilização da água de forma sustentável.
Bibliografia
Castel-Branco, C. (Ed.). 1999. Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa, Jardim Botânico da Ajuda
Sousa, P.L; Couto, S. 1995. Os Recursos Hídricos da Tapada da Ajuda, propostas para uma melhor gestão. Instituto Superior de Agronomia, Lisboa