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Visite a Quinta da Piedade na Póvoa de Santa Iria

 

Reserve 30 minutos e venha descobrir… uma quinta com um baluarte com história, um palácio majestoso e um santuário místico, lugar de peregrinação e oferendas ao “Senhor Morto”.

 

Do século XIV aos séculos XV, XVI, XVII, XVIII e XIX, seis séculos de histórias para descobrir no século XXI, numa quinta de recreio do estuário do Tejo com uma sobreposição única de épocas estilos e gostos estéticos da arte paisagista em Portugal.

Os Valente, os Castelo Branco, os Lencastre e os Abrantes, títulos aristocráticos, famílias e gerações que construíram, viveram e que se apaixonaram pela paisagem desta quinta debruçada sobre o estuário do Tejo, com uma luz única e com os bons ares da Póvoa, mesmo ali ao lado da grande cidade, onde viviam e comerciavam. Aqui, no Morgado da Póvoa, concentraram esforços e investiram em projetos que construíram sonhos que buscavam o Paraíso na Terra, e a comunhão com o Universo Divino, tudo isso encontramos ainda hoje na monumental Quinta da Piedade, a ser usufruído neste século e aberto a todos.

 

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Descobrir

Ainda que escondida pelas urbanizações do século XX, a quinta está acessível a todo o País e à Europa; a estação da CP da Póvoa de Santa Iria transporta-nos confortavelmente de e para onde quisermos. Se pretender recorrer ao carro, a A1 e a antiga EN10 rapidamente nos transportam do centro da capital ou dos vários núcleos urbanos da área metropolitana de Lisboa, para o extenso património de riqueza artística dos edifícios, dos painéis de azulejos, da variedade florística, do misticismo dos delicados oratórios e santuários e do percurso da Piedade Mariana, culminando no sepulcro de Jesus – experiências únicas que nos envolvem assim que chegamos e começamos a percorrer as ruas e as paisagens dos jardins e do parque dominadas pelo edifício do imponente Palácio da Piedade. 

 

Como chegar… o percurso pedonal

Chegados à estação do comboio e ao núcleo urbano da antiga Póvoa, é rumar para a quinta através do caminho ancestral e que hoje está batizado como rua Marquês de Pombal e Caminho do Marquês, uma oportunidade para sentir as ruelas e o casario do núcleo histórico e de rapidamente ascendermos até à avenida Dom Afonso Vicente Valente e ao cruzamento com a rua Padre Manuel Duarte; aí surgem o portão e os muros da quinta, acompanhados lá bem no alto pela igreja paroquial e pelo campanário setecentista de Nossa Senhora da Piedade. Passamos o portão, e a alameda convida-nos a subir e aponta lá em cima para o majestoso edifício do Palácio da Piedade.

Só ao chegarmos aos portões do palácio descobrimos que, na realidade, o eixo continua bem ao gosto barroco, por um túnel que permitia o passo das carruagens e dava acesso às portas e escadaria nobre do palácio, e que continua e aponta ao pátio vastíssimo ao jeito de uma fortaleza com muralhas, portão e baluartes. Nesse terreiro ainda hoje domina o baluarte principal poligonal, privilegiado miradouro sobre toda a paisagem envolvente. É aqui que começamos a sentir a dimensão, o espaço e o projeto palaciano dos vastos jardins onde o genius locci comanda. Tudo está diferente da sua época áurea, mas a luz, a abertura ao estuário do Tejo, a modelação e a exposição solar ditaram a geometria das antigas alamedas e dos deambulatórios; tudo é vasto, mas, ao mesmo tempo, íntimo e familiar. O que à partida parece ser mais um parque urbano com atividades para todos surge como um projeto de quinta de recreio dos mais antigos e majestosos de estuário do Tejo e da área metropolitana de lisboa.

 

Origens

Vicente Afonso Valente, cónego da Sé Catedral de Lisboa, em 1348, deixou em testamento a seu irmão Lourenço um vínculo com as casas de Lisboa e as terras do morgado da Póvoa, para serem herdadas pelos primogénitos dos Valente, assegurando os rendimentos necessários para uma missa anual que encomendasse a salvação da sua alma, na Igreja de São Jorge, desaparecida com o terramoto de 1755.

As várias gerações engrandeceram o vínculo e o morgado da Póvoa ao longo dos séculos XIV e XV, com o apoio ao nascimento da dinastia de Avis, e, no século XVI, com a sua participação no Império Português do Oriente, no reinado manuelino. Pela mão de D. Francisco Castelo Branco, cerca de 1531, são desenhados e construídos os fundamentos da atual Quinta de Nossa Senhora da Piedade e do piedoso bosque com o percurso místico da Lapa do Senhor Morto e a Capela de Nossa Senhora da Piedade, posteriormente com o Oratório de São Jerónimo. Estamos também perante um projeto e planeamento de um regadio que explora a abundância das nascentes de água para produção de frutos e hortícolas, conhecida na época como a mais rica quinta quinhentista dos arredores de Lisboa, onde se produzia vinho, azeite e cereais, mas a todas estas produções se sobrepunham os avultados proventos das marinhas de sal da melhor qualidade.

Todos estes produtos, pessoas e bens eram facilmente escoados através do posicionamento da Póvoa, servida pelo canal navegável do delta interior do estuário, com os vários cais que ligavam ao cais do Terreiro do Paço e ao centro administrativo e de negócios do Porto de Lisboa. Os cais da Póvoa mantêm-se até ao século XX como importante apoio às viagens e transporte de passageiros e bens no estuário do Tejo e são hoje parte do Parque Urbano e Ribeirinho e do núcleo dos Avieiros e do Parque Urbano Linear, as atuais zonas de recreio da cidade da Póvoa de Santa Iria no século XXI.

 

O santuário e o deambulatório místico

De uma beleza indiscritível, o Santuário Lapa do Senhor Morto, cruza a simplicidade renascentista e a exuberância dos azulejos barrocos. É, ainda hoje, local de recolhimento e de preces, com a pedra genuflexório, a janela gradeada sobre a lapa onde se observava o conjunto escultórico do século XVI, de pedra de Ançã, atualmente em restauro. As esculturas, em tamanho natural e coloridas parecendo reais retratam o preciso momento em que Maria e São João choram na lapa, reclinados sobre Jesus Cristo Morto, e Maria Madalena prepara os óleos para ungir o corpo desfalecido; o conjunto executado em quinhentos, especificamente para a lapa ou gruta, é posteriormente remodelado no século XVIII, com edifício e monumental revestimento de painéis de azulejo azul e branco historiados com o tema, e acompanha a construção, contígua ao muro da quinta, da Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Piedade. O escadório e os patamares construídos entre a igreja e a lapa permitiram assim um acesso público e reforçaram a fé, permitindo aos fiéis acesso ao interior da lapa através da janela gradeada e do alpendre, mantendo-se um acesso privado para a família com porta virada ao bosquete e jardim do palácio. 

 

O edifício do palácio

O edifício que hoje apreciamos e que domina toda a quinta e a Paisagem do Estuário do Tejo, sofreu muitas alterações ao longo dos séculos, desde o edifício de estilo renascentista com loggia sobre a paisagem – a Varanda – muito ao jeito do contíguo Palácio da Quinta de ValFlores, até ao atual edifício reconstruído no século XVIII para recreio e lazer cortesão, que vê ainda alterações no século XIX para servir de residência permanente da família. Dessas alterações que pouco deixaram do Casa Villa renascentista, são de visitar e enaltecer o espólio azulejos do sec. XVIII, das salas, capela e jardins. No entanto, o que nos aguça a curiosidade na entrada nascente, é o carácter fortificado do portão, da muralha e baluarte que dá acesso ao vasto pátio e à fachada norte do palácio.


O Baluarte e as muralhas

O baluarte poligonal e a muralha que envolve o terreiro e as instalações agrícolas da quinta e do palácio têm acesso por uma porta de fortaleza inspirada no estilo serliano das obras e projetos palladianos, são testemunhos de uma faceta militar da família, que está presente na defesa de Mazagão onde são testados os novos baluartes à italiana semelhantes ao que encontramos no recinto muralhado da quinta, ou ainda o heroico combate por Ormuz, protagonizado por D. Pedro de Castelo Branco, enaltecido por Luís de Camões em Os Lusíadas – qualquer destes factos nos remete para o insólito do baluarte poligonal ainda hoje existente. São algumas destas obras quinhentistas da quinta e da casa que são protagonizadas e continuadas por D. Francisco Castelo Branco, que, em 1521, acompanha o seu pai, D. Martinho, capitão da frota de 18 embarcações que conduz a infanta D. Beatriz, filha do venturoso rei D. Manuel ao encontro do seu marido Carlos III Duque de Sabóia, a arquitetura palladiana das villa e palácios da renascença italiana terá provocado vontade de construir com a mesma grandeza, e originalidade.

 

Quinta de recreio Aristocrático e Parque Urbano

A quinta, que é imóvel de interesse público desde 25 junho 1984, vem à posse da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira em 1979, através da implementação do Plano de Urbanização dos terrenos agrícolas da propriedade, que constrói em poucos anos a atual cidade da Póvoa de Santa Iria, com cerca de vinte mil habitantes, uma nova realidade socioeconómica e cultural da freguesia da Póvoa e Forte da Casa.

O espaço murado de regadio e dos pomares e jardins da quinta aristocrática é atualmente o parque urbano, os viveiros municipais, a horta pedagógica e a quinta dos animais. A modelação e alguns traçados são fruto das várias remodelações dos pomares e mata quinhentista, com a transformação sucessiva em jardim de buxos e parque barroco desenhados pelo jardineiro francês Alexandre Lasala, em 1724, e pelas obras de construção do jardim romântico oitocentista, em 1855.

Todo este património tem vindo a ser paulatinamente reabilitado e restaurado pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira ao longo destes cerca de 40 anos, transformando o palácio num centro cultural com várias valências desde biblioteca municipal a galeria de arte, centro de dia, espaço de conferências, onde não falta a cafetaria nas antigas cozinhas. Para breve, anuncia-se a reabilitação do percurso místico quinhentista, com o restauro da Lapa do Senhor Morto e do Oratório de S. Jerónimo, que pode finalmente devolver a esta Quinta a sua dimensão universal na Arte Paisagista Europeia e Mundial.

 

Saiba mais sobre os Parques dos Santuários

 

Bibliografia

MANGUCCI, Celso, Quinta de Nossa Senhora da Piedade – história do seu palácio, jardins e azulejo, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1998.
https://bmvfx.cm-vfxira.pt/a-biblioteca/rede-de-bibliotecas-municipais/Póvoa-de-santa-iria
https://www.cm-vfxira.pt/pages/995?poi_id=157
http://www.xira.pt/item/quinta-municipal-da-piedade/

 

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