Criaram-se sinergias e um enorme espirito de família, uma grande família que trabalha em defesa de uma causa comum: a sustentabilidade do nosso planeta.
Desde o início da pandemia que não pisava um aeroporto, não é que tivesse saudades. Adoro viajar, estar nos lugares, conhecer as diferentes culturas, a paisagem, as comunidades, a sua relação com as plantas, as artes e a ecologia.
Mas enerva-me que me obriguem a atravessar de forma labiríntica as lojas duty free a tresandar a perfumes e a abarrotar de produtos com os quais não sinto a mínima afinidade. Esta é a principal razão por que não gosto de aeroportos; depois há sempre um resquício de culpa associada à consciência da pegada ecológica que o tráfego aéreo deixa no planeta.
Voltei a por os pés no aeroporto de Lisboa no dia 28 de outubro rumo a São Vicente, onde fui, a convite da ASPEA (Associação Portuguesa de Educação Ambiental), participar no VI Congresso de Educação Ambiental dos Países e Comunidades de Língua Portuguesa. O congresso realizou-se de 2 a 5 de novembro na Universidade de Cabo Verde, Faculdade de Educação e Desporto no Mindelo. Quando viajo para congressos, gosto sempre de ir uns dias antes e prolongar a estadia até uns dias depois para melhor sentir o país onde estou para além da bolha do congresso. Sair do nosso País numa estação fria e desembarcarmos num país mais quentinho é sempre aconchegante. Começa logo ali aquele bem-estar que senti do princípio ao fim desta viagem a Cabo Verde. A equipa da organização do congresso, liderada pela incansável e carismática Maria Miguel Estrela a quem todos chamávamos Mami, desdobrou-se em mil tarefas para nos fazer sentir sempre bem acolhidos; da minha parte foi isso que senti e sinto ainda, uma imensa gratidão por tanta hospitalidade, tão característica do povo cabo-verdiano.
Criaram-se sinergias e um enorme espirito de família, uma grande família que trabalha em defesa de uma causa comum: a sustentabilidade do nosso planeta enquanto casa possível de ser habitada por humanos. Partilharam-se muitos projetos que não cabem detalhar no âmbito desta crónica. Muitas das pessoas já se conheciam: da Guiné, onde se realizou o último congresso; de Moçambique, onde está prevista a realização do próximo, em 2023; de São Tomé e Príncipe, onde o mesmo teve lugar na ilha do Príncipe, em 2017. Do Brasil, apresentaram projetos de combate à desflorestação e às monoculturas dependentes de agrotóxicos. Numa parceria Portugal-Moçambique, a ONGD Educafrica/Cooperativa de Educação Ambiental Repensar apresentou interessantes projetos sobre reciclagem de vidro. De Angola, representantes do Ministério da Cultura, do Ambiente e do Turismo falaram-nos do estado da arte da educação ambiental para o oceano. Da Guiné, chegaram-nos inquietações sobre as áreas protegidas e o impacto da exploração dos recursos naturais, mudanças climáticas e direitos comunitários.
A representação portuguesa
Portugal fez-se representar por várias associações, instituições e universidades, Ministério do Ambiente, APA, CPLP, ASPEA, município da Lousada, Universidade e Jardim Botânico de Coimbra, Universidade Nova, Lusófona, Águas do Tejo Atlântico, OIKOS, etc. Todas as apresentações foram interessantes e relevantes, mas citarei aqui uma frase que me ficou na memória − “É urgente menos burocracia e mais Rede” −, nas palavras de Luísa Schmidt, do OBSERVA. A burocracia, de tão emaranhada e complexa, acaba muitas vezes por inviabilizar a execução de ações urgentes que salvariam muitas vidas e evitariam catástrofes.
Apesar de o tema central serem os oceanos, com várias comunicações, minicursos, mesas de diálogo e oficinas sobre literacia oceânica, houve também espaço para outras conversas sobre conservação de plantas endémicas na ilha do Fogo, alimentação saudável e sustentável apresentada pela Universidade de Santiago de Compostela na Galiza, e diagnósticos de sistemas alimentares saudáveis em São Vicente, apresentação de um catálogo sobre boas práticas agroecológicas nas áreas protegidas de Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo, estratégias de educação ambiental em São Tomé e Príncipe… Ficou-me claro, mais uma vez que ecologia, economia e direitos humanos têm de caminhar e agir sempre de mãos dadas, sempre na mesma direção.
Quanto à vivência pré e pós congresso, contarei que passei quatro dias na ilha de Santo Antão que é o pulmão verde, o grande pomar abastecedor da ilha vizinha de São Vicente e lugar de origem de uma grande percentagem de mindelenses.
Por ali, sobretudo no vale do Paúl, encontrei papaias e inhames, cana-de-açúcar, batata-doce, mangas, café, goiabas, mandioca, fruta-pão, bananeiras, tudo plantado em socalcos de pedra vulcânica extremamente bem encaixados nos vales profundos entre pequenas casas, também elas em pedra de construção sólida com o cunho das coisas antigas.
Fiz algumas caminhadas entre ribeiras e montanhas embrulhadas em neblinas dançantes a lembrar Machu Picchu, Madeira ou Nepal. Levei uma mala cheia de livros e trouxe-a de volta repleta do lixo que produzi e que fiz questão de não deixar abandonado à sua sorte, garrafas de plástico espalmadas para colocar no ecoponto amarelo assim que chegasse ao aeroporto de Lisboa. Trouxe também uma enorme vontade de voltar ao calorzinho aconchegante da hospitalidade cabo-verdiana e ao som doce das mornas que nos seduz e nos embala em cada esquina.