Aromáticas e Medicinais

Plantas medicinais da Serra da Estrela

Serra da Estrela

 

Como prometido, aqui fica a crónica da continuação da viagem à serra da Estrela, onde coorientei dois retiros de Plantas Medicinais no Vale do Rossim.

 

Regressamos aos mesmos trilhos com o intervalo de 20 dias. No primeiro, apanhámos alguma chuva, trovões, relâmpagos, nuvens velozes cavalgando os céus cor de chumbo. No segundo retiro, estava calor, uma espécie de segunda floração das giestas, cistáceas e urzes. Os frutos vermelhos das tramazeiras (Sorbus aucuparia) amadureceram, estavam mais apetitosos e reluziam contra o azul-turquesa e límpido dos céus matinais. No local onde ficámos alojados, o Eco-Resort do Rossim, predominavam as tramazeiras, também conhecidas por sorveiras, cornogodinho, sorveira-dos-passarinhos. Estas árvores da família das Rosaceae são de folha caduca e já apresentavam sinais de perda de folhagem, que ia amarelecendo e cobrindo o chão de um tapete de húmus salpicado por bagas vermelhas.

 

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Freixo-da-montanha

Em inglês, dá pelo nome de rowan ou mountain ash (freixo-da-montanha) e é considerada desde a Antiguidade uma árvore mágica e sagrada, especialmente para os Celtas e outros povos do norte da Europa. Apresenta casca cinzento-avermelhada e lisa, folhas compostas, cachos de flores brancas (maio-julho) e frutos redondos (bagas), laranja-avermelhado (setembro), de cheiro suave e sabor açucarado.

Muito antes da era cristã já era uma das árvores mais reverenciadas, sendo utilizada em rituais religiosos e em magia popular. Está associada à proteção contra a bruxaria, o mau-olhado e as trovoadas; era comum plantarem uma sorveira à entrada das casas ou então deixarem apenas alguns ramos pendurados nas portas ou em forma de talismãs feitos com a sua madeira. Os pastores das terras altas da Escócia acreditavam que uma vara feita desta madeira para conduzir o gado os protegia contra os maus espíritos.

Mais tarde, já na era cristã, faziam pequenas cruzes com ramos atados por uma fita vermelha que se penduravam por cima das portas na época da Páscoa ou nos rituais da primavera. Esta planta está muito ligada às runas (antigo oráculo Celta), cujo nome em inglês, rowan, é derivado da palavra runa, que significa segredar ou murmurar, acreditando-se que as runas sopram ou murmuram segredos no coração de quem as consulta. Os frutos são usados para fazer conservas e bebidas alcoólicas.

 

 

Tramazeira

A infusão de frutos de tramazeira é útil no combate à diarreia e hemorroidas. Estas infusões podem utilizar-se também em gargarejos para tratar inflamações da boca e da garganta e em lavagens contra corrimentos vaginais.

A compota feita a partir das bagas é uma forma de destruir os componentes indigestos, pela fervura, e consumir assim os seus frutos nutritivos, que ajudam a fortalecer o sistema imunitário e a limpar o sangue. Uma decocção feita a partir da casca do tronco tem propriedades bastante adstringentes e pode ser utilizada para tratar problemas digestivos, irritações das mucosas, gastrites, diarreia. Em uso externo, é usada para cicatrizar e desinfetar cortes e feridas.

 

Serra da Estrela

 

Bétulas ou vidoeiros

Além destas charmosas sorveiras, predominavam por aqui as bétulas ou vidoeiros. Crescem em todo o hemisfério norte, onde se conhecem cerca de 40 espécies diferentes, principalmente nas regiões temperadas. Em Portugal, ocorre sobretudo em zonas de altitude até 2000 metros, nas margens de cursos de água e terrenos húmidos. Exigente em água e bastante resistente ao frio intenso.

O seu nome vem da antiga palavra alemã bircha, que significa branco luminoso. É uma árvore sagrada nos países nórdicos iluminando as longas e escuras noites de Inverno com o seu tronco branco. As suas utilidades terapêuticas eram já conhecidas na Antiguidade clássica mas foi só no século XII que Santa Hildegarda citou a ação cicatrizante das suas folhas. Uma infusão feita com as folhas de vidoeiro (bétula) ajuda na eliminação de toxinas através da urina, tendo uma ação diurética suave mas muito eficaz e sem sobrecarregar os rins, sendo portanto benéfica em caso de cálculos renais ou na bexiga e infeções das vias urinárias, problemas de reumatismo, gota, celulite e edemas. Uma decocção de casca de bétula pode ser útil em problemas crónicos de pele como eczema ou psoríase. Devido aos salicilatos existentes na casca,
recomenda-se uma maceração da mesma, em compressas, para aliviar dores reumáticas. Quando aplicada externamente sobre as articulações, tem uma ação anti-inflamatória. É também sudorífica e antisséptica. As socas feitas de madeira de bétula eram outrora muito apreciadas pela leveza da sua madeira, pela sua elasticidade e resistência ao choque. Era também utilizada no fabrico de esquis, vassouras, maquetes, berços. Na Inglaterra rural, acreditava-se que as varas de bétula enxotavam os demónios e era tradição, no dia 31 de dezembro, varrer-se o ano velho com uma vassoura de cabo de bétula.

 

 

Carvalhos

Além destas árvores com que nos cruzamos também nos passeios e não apenas no recinto onde estávamos alojados, fomos ao encontro dos emblemáticos e protegidos carvalho-de-são-lourenço, que é um núcleo de carvalho-negral (Quercus pyrenaica) com idades estimadas entre 400 e 500 anos. Crescem no planalto de S. Lourenço a cerca de 1200 metros de altitude e com uma bela vista para os vales encaixados do Zêzere, onde ao longe se avista Manteigas. Estes vales e encostas foram visivelmente fustigados pelos grandes incêndios de agosto de 2022 que destruíram cerca de 50 por cento da vegetação local. Nem estes carvalhos nem a maioria das faias foram afetados pelo fogo.

 

 

A rota das faias faz jus à sua reputação, mas, no início de novembro, estará ainda mais exuberante. Imagino um verdadeiro festival em tons laranja muito apreciado por fotógrafos da Natureza e amantes de caminhadas. Aqui e acolá ainda se vislumbra a tristeza da paisagem queimada, mas ao mesmo tempo o verde da esperança e resiliência a cobrir o solo com os seus verdes cintilantes de giestas, fetos, rosmaninhos e Cistus. Por agora, ainda conseguimos comer alguns pinhões, pois é, também se comem os pinhões das faias e não apenas dos pinheiros, e garanto que são saborosos. Meditação em movimento é isto, atenção plena, caminhar no silêncio de um bosque de grandes árvores, ouvindo apenas o cantar das aves, o assobio leve do vento e a música dos nossos passos deslizando sobre a folhagem crocante.

Voltarei com um terceiro capítulo sobre a Lapa dos Dinheiros e os seus castanheiros ancestrais.

 

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