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Edição Especial “Novos Agricultores”: Isabel Castanheira da Quinta dos 7 Nomes

Nasci em Minas de Ervedosa, no concelho de Vinhais. Sou transmontana e venho de uma família grande, com sete irmãos. Estudei Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, fui professora, trabalhei em publicidade e um dia decidi mandar “a carreira às urtigas” e trabalhar na agricultura.

Como nasceu o gosto pela agricultura e por cultivar?

Desde sempre plantei árvores e cultivei flores e legumes: em todas as casas por onde passei deixei pequenos jardins/hortas. Foi, no entanto, em 1991, com o David Rilhas, um dos pioneiros na agricultura biológica em Portugal, que dei os primeiros passos profissionalmente.

Numa quinta em Colares, cultivávamos para exportar, dado não haver, nessa altura, em Portugal, qualquer tipo de mercado para produtos biológicos. E, até hoje, o crescimento das plantinhas, das sementes ao fruto, é um processo que me emociona profundamente.

Foi uma decisão difícil mudar de vida e passar a viver no campo e dedicar-se à agricultura?

Mudar de vida foi uma decisão inevitável. Já tinha saído de Lisboa há alguns anos. De Sintra, vim viver para Colares e passei a estar cada vez mais próxima e ligada à terra.

Ir todos os dias para Lisboa para trabalhar no mundo frenético da publicidade, não ter tempo para viver, sair de manhã e voltar à noite, já não fazia sentido.

A estrutura das grandes cidades deixou de fazer sentido. Claro que “virar” para a agricultura implicou um sacrifício financeiro, mas o que se ganha em tempo, em calma e na sensação de que se está a fazer um trabalho que tem importância para o planeta é impagável.

Além disso, passei a ter mais tempo e proximidade com as minhas filhas.

A agricultura é uma atividade que faz em exclusivo ou tem outra atividade profissional em paralelo?

Hoje em dia, faço a gestão da cooperativa Quinta dos 7 Nomes de que fui cofundadora, sou professora de agricultura biológica em permacultura e faço consultorias ajudando outros a lançar as suas hortas; sempre que posso, ainda semeio, planto, colho e até dou uma voltinha na enxada.

Durante quase vinte anos, vivi exclusivamente da agricultura e criei duas filhas, ambas com um curso superior. É possível viver da agricultura sustentável, sim.

Sentiu necessidade de fazer alguma formação na área agrícola? Que tipo de formações fez?

Tudo o que aprendi nos primeiros anos de trabalho foi com o David Rilhas, meu grande professor e de muita gente mais.

Mas, especialmente na agricultura, é com “o fazer”, com a experiência, muitas vezes por tentativa e erro que se aprende. E eu tive o privilégio de trabalhar com alguém com uma experiência muito sólida e um conhecimento muito bem testado e aprofundado.

Mais tarde, a partir de 2008, comecei a estudar permacultura. Já na cooperativa, tirei os primeiros cursos de permacultura com o João Jorge, com quem descobri a importância do design e da observação para funcionar imitando a Natureza, respeitando-a.

A agricultura que pratica é biológica? Porquê esta opção?

Agricultura biológica, claro. Nem outra coisa faria sentido para mim.

Acredito que é a melhor forma de cultivar com um baixo impacto para o ambiente. A terra é generosa. Trabalhar para manter a saúde e o equilíbrio dos solos e da água é essencial para a continuidade da produção agrícola.

Mais, é essencial para manter o equilíbrio dos ecos- sistemas e do planeta de forma a preservarmos as condições que nos permitem continuar a viver nele.

Que tipo de produtos cultiva ou produz e como os distribui e comercializa?

Na altura em que comecei, tudo o que produzíamos – morango, tomate, alho-francês, feijão-verde, meloa… – era exportado para o Reino Unido ou para a Alemanha. Pouco se falava de agricultura biológica em Portugal.

Devagarinho, fui tomando consciência de que não fazia sentido nem era minimamente ecológico produzir biológico para fazer os produtos viajarem milhares de quilómetros: a “pegada” era enorme. Então, decidi criar um ponto de venda direto do produtor ao consumidor.

De uma pequena loja na quinta em Galamares, nasceu o núcleo de 50 fundadores daquilo que viria a ser a Quinta dos 7 Nomes, onde continuamos a venda direta aos nossos sócios (cerca de 700 agora).

Acreditamos nas pequenas economias e na necessidade de reconstruir uma nova dimensão local.

Além da produção agrícola, tem outro tipo de atividade ligada a este sector como formação, transformação de produtos ou outra?

É claro que sim. É essencial que não guardemos os conhecimentos: é preciso partilhar. Acreditamos que o caminho da sustentabilidade passa por uma cada vez maior autossuficiência.

Foi assim que criámos um centro de formação para a sustentabilidade com cursos práticos de agricultura biológica em permacultura, carpintaria, saboaria, pão, etc.

Fazemos o nosso próprio pão biológico, que vendemos na loja da quinta, criámos um espaço/café com pratos biológicos vegetarianos e veganos. Enfim, vamo-nos reinventando a cada dia graças a uma maravilhosa equipa.

Quais as maiores alegrias e benefícios que esta atividade lhe traz?

Alimentar uma comunidade é um trabalho tão humilde e tão digno!

É supergratificante quando alguém nos diz que há muito tempo não comia morangos que cheirassem e soubessem a morangos. Ou ajudar produtores locais a fazer a transição para o biológico, sabendo que têm onde escoar os seus produtos.

Mas poucas coisas dão tanto gozo como ajudar uma família a tornar-se autossuficiente e a aprender a cultivar o que come. Ajudar alguém a tornar-se resiliente é especial.

Já alguma vez se arrependeu desta opção? Quais as maiores dificuldades que já sentiu na implementação desta atividade de produção agrícola?

A agricultura dá trabalho! Durante muitos anos, trabalhei de sol a sol durante a primavera e verão. Cheguei a sair de casa em noites de tempestade para garantir que as estufas não voavam.

Não há salários fixos para quem gere a produção, mas tem de haver para os colaboradores que ajudam a mantê-la. Mas não trocava esta vida por nenhuma outra.

Essencialmente, porque olho para todo o percurso e tudo me faz cada vez mais sentido, porque o que faço está de acordo com a Natureza.

Cultiva também para consumo próprio?

Claro. E não há nada que tenha o sabor daquilo que nós mesmos cultivamos.

Qual a mensagem que quer deixar aos leitores da Jardins que queiram começar a cultivar para consumo doméstico ou para comercialização?

Que aprendam a cultivar a paciência. Tudo na Natureza leva o seu tempo e, nos tempos que correm, não estamos habituados a esperar. Que não tenham medo de falhar.

Que experimentem sempre. Que respeitem o solo e observem muito. O sol e a terra tratam do resto. É claro que aprender alguma coisa estudando e vendo outros fazer ajuda muito.

Também é claro que dá algum trabalho, mas garanto-vos que nunca mais na vida vão esquecer o sabor da vossa primeira alface.

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