Muito conhecidas por serem as ofertas dos Reis Magos a Jesus, a mirra e o incenso não são mais do que resinas extraídas de dois tipos de árvores e que têm uma série de propriedades medicinais, nomeadamente desinfetantes e analgésicas.
O incenso e a mirra são misturas de gomas-óleo-resinas, ou seja, têm compostos com origem glicídica (gomas) e compostos que derivam de vias químicas de natureza lipídica (resinas e óleos essenciais). São substâncias fragrantes com muitas aplicações, historicamente ligadas ao culto religioso, à perfumaria e à medicinal tradicional.
O Reino de Sabá, local de origem do incenso e da mirra
A mirra provém da espécie Commiphora myrrha (Nees) Engl., e o incenso obtém-se a partir de várias espécies do género Boswellia (em especial da espécie Boswellia sacra Flueck).
As plantas que produzem estas secreções são árvores de pequeno porte que crescem em regiões desérticas ou semidesérticas da Somália, Eritreia, Etiópia, Omã e Iémen.
No passado, este último país tinha o nome de Arabia Felix, devido à enorme riqueza gerada pela extração e comércio de incenso e é nesta região que alguns historiadores situam o antigo Reino de Sabá, governado por uma rainha que visitou o rei Salomão e lhe ofereceu tesouros nunca antes vistos na Casa de Israel.
Durante milénios, o incenso foi um produto muito desejado por todas as civilizações que se desenvolveram no Médio Oriente e em redor da bacia do mar Mediterrâneo e era no Sul da Península Arábica que se iniciava a famosa Rota do Incenso, que terminava nos lendários mercados de Alexandria, Antioquia, Alepo ou Constantinopla.
A origem
Os versículos 30:1-10 do Livro do Êxodo (Antigo Testamento) têm instruções para a construção e uso de um altar destinado a queimar incenso: “Constrói também um altar de madeira de acácia para queimar incenso… Será um incenso perpétuo que as vossas gerações oferecerão diante do Senhor”.
As igrejas ortodoxas, em especial a Igreja Copta (com origem no Egito) utiliza muito incenso, que queima em incensórios e turíbulos; o seu fumo branco, muito aromático, ascende rapidamente, levando as preces dos crentes e servindo de elo simbólico entre a Terra e o Céu.
Esta ligação é referida no Salmo 141: “Senhor, eu chamo por Ti, socorre-me depressa! Ouve a minha voz quando eu clamo por Ti! Suba a minha prece como incenso à tua presença.”
A oferta dos Reis Magos a Jesus
O Evangelho Segundo São Mateus refere, no versículo 2:11, que os Reis Magos, guiados por uma estrela (alguns autores sugerem que poderá ter sido o cometa Halley) trouxeram ouro, incenso e mirra para Jesus.
Ofertas simbólicas que se relacionavam a natureza de Cristo: ouro porque nascera o rei de Israel; mirra porque nascera na condição humana (a mirra era um símbolo de sofrimento); incenso porque nascera um Deus.
O incenso
No monte Atos, uma comunidade de conventos masculinos sob jurisdição directa do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, e que constitui uma região autónoma dentro do Estado Grego (autonomia que remonta ao período bizantino), os monges utilizam o incenso como ingrediente-base para a manufatura de um produto (também denominado incenso) que apresenta múltiplas fragrâncias devido à variedade de ingredientes que lhe são adicionados (óleos essenciais, plantas aromáticas, etc.).
Este é o incenso utilizado na Igreja Ortodoxa Grega e pode ser comprado online através do site do monte Atos.
As plantas produzem incenso, mirra e outras gomas-óleo-resinas para se protegerem da ação predatória de microrganismos (bactérias, fungos) ou pequenos animais (insetos), após terem sido submetidas a traumatismos (feridas) que afetam os seus caules.
Assim, o incenso e a mirra são produtos que detêm agentes patogénicos e é devido a estas propriedades desinfetantes e microbicidas que os humanos usam estas secreções vegetais. Para que as plantas produzam incenso e mirra em maior quantidade, abrem-se feridas nos caules, estimulando as defesas das plantas a produzir secreções que impeçam a entrada de doenças ou pragas.
Na Península Arábica, e em outras regiões do Médio Oriente, o incenso queima-se no interior das habitações para as desinfetar e perfumar, e os seus fumos também se usam para perfumar diretamente o corpo humano, aproximando o incensório do corpo e das vestes.
A mirra
A mirra é uma secreção vegetal que desde cedo acompanhou o incenso e era frequentemente utilizada em medicina, como desinfetante e analgésico.
O Evangelho Segundo São Marcos (15:23) refere que durante a agonia de Jesus Cristo, lhe terão oferecido mirra dissolvida em vinho, que Jesus recusou; os Evangelhos de São Lucas e de São João dizem-nos que lhe ofereceram vinagre e o Evangelho de São Mateus refere vinho misturado com fel.
Os antigos egípcios utilizaram mirra para aromatizar e encher o interior dos corpos humanos, durante o processo de mumifi cação.
Embora a desidratação dos mesmos fosse devida ao uso de natrão, no qual os corpos era colocados durante cerca de 70 dias, a palavra mirra ainda hoje está ligada ao processo de perda de água que, etimologicamente, se liga ao verbo mirrar, ou seja, emagrecer, consumir-se, definhar.
A sua história
Existem muitas referências à mirra no Antigo Testamento, como no poético Cântico dos Cânticos: “Um saquinho de mirra é para mim o meu amado, repousando entre os meus seios… Que é isto que sobe do deserto, como colunas de fumo perfumado com incenso e mirra… Já entrei no meu jardim, minha irmã, minha noiva, colhi a minha mirra e o meu bálsamo… Ponho-me de pé para abrir ao meu amado: as minhas mãos gotejam mirra, os meus dedos são mirra… Os seus lábios são lírios com mirra que flui e se derrama”.
O historiador romano Plínio, o Velho (23-79), autor da monumental História Natural, uma das mais importantes obras clássicas sobre os usos de plantas, animais e minerais no período greco-romano, refere que durante os desfiles triunfais dos imperadores Vespasiano e Tito (História Natural Livro, XII-54), realizados em Roma, foram apresentadas árvores-de-bálsamo, trazidas da Palestina como parte do saque imperial, e que as mesmas foram assim depositadas no tesouro da cidade.
As árvores-de-bálsamo pertencem à espécie Commiphora gileadensis (L.) C.Chr., e produziam aquele que foi, provavelmente, o mais caro produto de origem vegetal da história: o bálsamo era transacionado a um preço duas vezes superior ao do ouro.
Na Palestina, a cultura de árvores-do-bálsamo encontrava-se limitada a Jericó e a extração do bálsamo era monopólio de uma corporação que tinha protecção real.
O historiador Flávio Josefo refere que as árvores-de-bálsamo teriam sido ofertas da rainha de Sabá e a secreção que produziam, assim como a sua madeira, era utilizada na preparação de bálsamos que se acreditava possuírem efeitos terapêuticos extraordinários no corpo e na mente daqueles que o experimentavam.
A utilização da mirra nos ritos da Igreja Ortodoxa grega
Na Igreja Ortodoxa Grega, a mirra corresponde não apenas à secreção das árvores do género Commiphora.
Mas também é o nome atribuído ao óleo de unção que se utiliza no batismo e em outras cerimónias religiosas, nas quais simboliza o Espírito Santo. Em Istambul (Constantinopla), uma vez por década, o Patriarca prepara o óleo de unção para distribuir pelas igrejas gregas dispersas pelo mundo.
Atualmente, para além do uso em cerimónias religiosas, a mirra é assim utilizada como ingrediente de perfumes e como adstringente e antisséptico para o tratamento de feridas, em colutórios e pastas dentífricas.
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