Uma floresta em que as árvores de maior porte, as que formam o dossel, pertencem à família das Lauráceas.
A Laurissilva medra num ambiente de nevoeiros frequentes, produzidos pelas massas de ar que são obrigadas a subir a cordilheira central montanhosa da ilha da Madeira.
Logo que encontram uma garganta entre dois cumes, os nevoeiros invadem-na em direção ao sul, onde, devido à estabilidade da atmosfera, se dissipam sem que deles tenham resultado chuvas.
Na derrapagem com as vertentes, as gotas de água depositam-se nas folhas das árvores, precipitando-se suavemente no solo e infiltrando-se de seguida.
Isto significa que, mesmo quando não chove e especialmente no verão, o abastecimento dos reservatórios de água subterrâneos é garantido por esta precipitação de contacto ou precipitação horizontal.
Laurissilva do barbusano (entre os 300-600 m de altitude)
No século XV, quando chegaram os primeiros povoadores, entre os 300 e os 600 metros de altitude, prosperavam os barbusanos (Apollonias barbujana), as faias-das-ilhas (Morella faya), os azevinhos-da-rocha (Ilex canariensis), os marmulanos (Sideroxylon mirmulans), as urzes-das-vassouras (Erica platycodon subsp. maderincola) e os seixeiros (Salix canariensis).
Desta formação vegetal existem manchas significativas na encosta norte e núcleos bem conservados nas vertentes e escarpas voltadas a sul.
O barbusano é a árvore de maior porte e pertence à família das Lauráceas; podemos chamar a esta floresta de transição a Laurissilva do Barbusano.
Laurissilva do til e do vinhático (entre os 600-1400 m)
Num ambiente onde se verificam os valores mais elevados de humidade relativa, localizam-se os mais belos e melhor conservados núcleos, predominam as copas de frondosos tis (Ocotea foetens) e vinháticos (Persea indica), aparecem os loureiros (Laurus novocanariensis).
Além destas três lauráceas indígenas, a floresta integra árvores mais pequenas de outras famílias, por exemplo, os folhados (Clethra arborea), os paus-brancos (Picconia excelsa), os sanguinhos (Rhamnus glandulosa), os perados (Ilex perado subsp. perado), os adernos (Heberdenia excelsa) as ginjeiras-bravas (Prunus hixa), os mocanos (Pittosporum coriaceum), os cedros-da-madeira (Juniperus cedrus subsp. maderensis), todas perenifólias, e os sabugueiros (Sambucus lanceolata) de folha caduca.
A riqueza botânica da Laurissilva
O alegra-campo (Semele androgyna) e a roseira-brava (Rosa mandonii) trepam até à copa das árvores em busca da luz necessária para a fotossíntese; junto ao solo num ambiente de sombra e humidade, os fetos formam coberturas de extraordinária beleza, destacando-se três espécies (Diplazium caudatum, Pteris incompleta, Woodwardia radicans).
Etnobotânica — remédios naturais oriundos da Laurissilva
Uveira-da-Serra (Vaccinium padifolium)
As suas bagas produzem uma compota que, além de gostosa, é boa para a cura da tosse e do catarro.
Na década de 80 do século XX, a uva-da-serra foi exportada para um laboratório farmacêutico francês, que a utilizava no fabrico dum medicamento oftalmológico.
Sabugueiro (Sambucus lanceolata)
É uma das raras árvores de folha caduca da flora da Macaronésia. As suas flores em infusão são usadas em gargarejos para combater as inflamações da garganta.
Quando bebida, tem efeitos emolientes e sudoríferos. As folhas frescas são utilizadas em cataplasmas no tratamento de úlceras na pele. Os pequenos frutos maduros são gostosos e colhidos em finais de agosto e setembro.
Hortelã-de-cabra (Cedronella canariensis)
É uma planta herbácea a subarbustiva, vivaz, endémica da Madeira e das Canárias. No verão, ostenta flores cor-de-rosa.
As folhas são aromáticas e a sua infusão funciona como excelente digestivo. É calmante e antiespasmódica. Dizem que cura enfermidades do fígado e combate a hipertensão.
Faia-das-ilhas (Morella faya; syn.: Myrica faya)
Foi usada na produção de carvão medicinal utilizado como “adsorvente de gases do estômago e intestinos, adstringente intestinal, como antitóxico e fixador de toxinas microbianas intestinais, como adsorvente de minerais tóxicos.
Usa-se em pomadas para a pele doente e em pastas sobre as feridas ulceradas” (Dionísio, J. A. – 1950).
Madre de Louro (Laurobasidium lauri)
Nos troncos e ramos dos loureiros mais velhos é frequente surgirem galhas provocadas por um fungo parasita (Laurobasidium lauri) , conhecido por madre-de-louro.
Da maceração destas cecídias em aguardente resulta um remédio popular na Madeira pelos bons efeitos no controlo de hemorragias uterinas.
Com os frutos dos loureiros indígenas (Laurus novocanariensis) é produzido um azeite, remédio depurativo do sangue e cicatrizante de lesões internas e externas.
Nas clareiras, beneficiando duma maior disponibilidade de luz, florescem arbustos e herbáceas.
Entre os arbustos sobressaem, pela beleza das suas flores, os massarocos (Echium candicans), os isopléxis (Isoplexis sceptrum), as múchias (Musschia wollastonii), os piornos (Teline maderensis e Genista tenera), as leitugas (Sonchus fruticosus), as estreleiras (Argyranthemum pinnatifidum subsp. pinnatifi dum), os goivos-da-serra (Erysimum bicolor), as malfuradas (Hypericum grandifolium) e as uveirasda-serra (Vaccinium padifolium), muito bonitas quando carregadas de bagas comestíveis. As herbáceas de flores mais atraentes são as orquídeas-da-serra (Dactylorhiza foliosa), as pássaras (Geranium palmatum), as ervas-de-coelho (Pericallis aurita), as hortelãs-de-cabra (Cedronella canariensis) e os ranúnculos (Ranunculus cortusifolius subsp. major), que pintam de rosa e dourado o sub-bosque na primavera e princípio do verão.
Pombo-trocaz, o semeador
O elevado número de lauráceas deve-se em parte aos bons ofícios do endémico pombo-trocaz (Columba trocaz), o maior dos columbídeos que vivem na Madeira, que se distingue dos seus congéneres pelo tamanho e pela faixa esbranquiçada na cauda.
Alimenta-se dos frutos dos loureiros, tis e vinháticos e liberta por onde passa as sementes misturadas com as fezes, funcionando como excelente semeador.
Em algumas vertentes de forte declive e no fundo de vales de acesso difícil, é possível encontrar esta floresta bem conservada.
É o que acontece no Caldeirão Verde, no Caldeirão do Inferno, no Montado dos Pessegueiros, no Lombo Barbinhas ou na Fajã da Nogueira. Tudo no Norte da ilha.
No Sul, onde a pressão humana é maior, restam pequenas manchas no sítio das Funduras (Machico), nas escarpas inacessíveis das ribeiras de Santa Luzia, da Madalena do Mar e de Santa Cruz.
Importância da Laurissilva para os madeirenses
A Laurissilva é vital para os madeirenses, para além da elevada qualidade paisagística e das relíquias botânicas que preserva, garante a disponibilidade de água para o consumo, irrigação das terras de cultivo e produção de energia elétrica.
Os núcleos de Laurissilva somam aproximadamente 150 km2, o que corresponde a cerca de 20 por cento da área da ilha.
Estão incluídos no Parque Natural da Madeira, desde 1982, com o estatuto de Reserva Integral e de Reserva Parcial.
Matérias-primas e fontes de energia
Além de medicamentos naturais, a Laurissilva fornece, desde os primórdios do povoamento, matérias-primas e fontes de energia para as atividades que sucessivamente se instalaram na ilha.
Ainda hoje são visíveis nas construções mais antigas, madeiras, mais ou menos bem conservadas, de árvores que integravam a floresta que cobria a Madeira no século XV.
Os troncos de til (Ocotea foetens)
Foram utilizados nas grandes e potentes varas dos lagares, em vigas para suportar soalhos e em peças de mobiliário.
Mas nem só a construção e a marcenaria consumiram os tis. Inúmeros foram desfeitos em lenha para alimentar os engenhos do açúcar.
O vinhático (Persea indica)
Tem uma madeira avermelhada, que faz lembrar o mogno, Desde muito cedo as tábuas tiradas dos troncos destas árvores foram utilizadas no fabrico de caixas e, em peças de mobiliário.
Barbusanos (Apollonias barbujana)
Faziam-se estacas para suportar as latadas da vinha. A madeira, rija e pouco apreciada pelos marceneiros, tem a vantagem de permanecer imenso tempo enterrada no solo sem apodrecer.
Loureiro (Laurus novocanariensis)
Os espetos de louro das espetadas madeirenses são extraídos das touças dos loureiros. As folhas dos loureiros indígenas da Madeira exalam um aroma diferente das dos loureiros de Portugal Continental (Laurus nobilis).
Para além destas quatro lauráceas, outras espécies indígenas foram objeto duma intensa exploração:
O cedro-da-madeira (Juniperus cedrus subsp. maderensis)
Possui uma madeira clara, leve, aromática e bastante resistente, muito procurada pela marcenaria.
Desta madeira foram feitos os tetos da Sé e da Alfândega do Funchal, edifício onde atualmente está instalada a Assembleia Legislativa Regional.
O perado (Ilex perado subsp. perado), o azevinho-da-rocha (Ilex canariensis), o fustete (Berberis maderensis) e o sanguinho (Rhamnus glandulosa)
Foram muito utilizados em embutidos. Esta arte, hoje quase extinta, consiste em talhar pequenos fragmentos de espécies florestais e introduzi-los em aberturas feitas com as mesmas dimensões noutras madeiras, criando ou reproduzindo desenhos ornamentais.
A madeira do pau-branco (Picconia excelsa)
É a mais rija das árvores indígenas e, durante muito tempo, foi utilizada nos fusos dos lagares, nos eixos das rodas das carroças da Ponta do Pargo e nas corsas dos carros de cesto do Monte.
O folhado (Clethra arborea)
É a árvore mais vistosa da Laurissilva nos meses de julho e agosto, graças às suas flores brancas e aromáticas.
Junto aos troncos dos folhados surgem rebentos direitos, flexíveis e leves, que são tradicionalmente usados como bordões pelos caminheiros que percorrem os íngremes trilhos da ilha.
Fotos: Raimundo Quintal
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