Jardins & Viagens

Paço de Vitorino: Um jardim especial

Um jardim cujo projeto desenvolvi ao longo de dez anos, por isso é único, cheio de memórias e ensinamentos. Um sítio único que vale uma visita.

Setembro é, para mim, o meu mês, o mês em que eu nasci, tornando-o assim muito especial. E, desta forma, gostaria de o partilhar consigo através de um projecto que desenvolvi durante uma década. Sim, foram dez anos de boas memórias e com muitos ensinamentos.

Um jardim que cresceu comigo ou, melhor, eu é que cresci com ele, que sempre me acompanhou. É sim um jardim especial, tem um pouco de mim…

E ASSIM COMEÇO:
Não se pode deixar que os jardins se calem e escondam no silêncio a beleza de toda uma história…

Como nasceu este projeto

A casa e a sua envolvente, património classificado, encontravam-se adormecidos nas últimas décadas. A vegetação cresceu em excesso, escondendo os leves resquícios de informação e o traço do jardim que se encontrava desbotado pelo passar dos anos e pela falta de manutenção.

A vontade de tornar este espaço um testemunho vivo e dar a possibilidade de se recordar uma época nasceu no desenvolvimento da minha tese de licenciatura com o estudo do jardim e a sua recuperação.

A viagem por séculos antigos da era barroca começou em 2005, mas a realidade e concretização de um objetivo de recuperar a sua essência ocorreu 11 anos depois, em 2016. Este projeto foi um processo de aprendizagem e um nascimento de sentimento de pertença enorme.

Recordo com carinho as palavras do Eng.o Ilídio Araújo, que mencionava que o genius loci era o protagonista de toda a essência da intervenção. Na altura, não entendia, mas, neste momento, entendo-o tão bem e reconheço e valorizo a sua importância.

Localização

O Paço de Vitorino encontra-se a norte de Portugal. Este património familiar em plena transformação, encontra-se no quilómetro 17 da estrada nacional de Ponte de Lima, em direção a Viana de Castelo.

Quando se chega à freguesia de Vitorino das Donas, mais concretamente ao Lugar do Pessegueiro, uma alameda rompe-se no horizonte, com o Paço de Vitorino a pontuar como plano de fundo.

História e património

O Paço de Vitorino tem a sua origem no século XVI, tendo ao longo dos tempos sofrido ampliações e transformações, mas o século XVIII foi, sem dúvida, a época que mais marcas deixou na traça atual da casa, da capela e dos jardins.

TRATA-SE DE UM JARDIM MISTERIOSO E FASCINANTE DE TRAÇADO BARROCO, onde se reflete a essência de uma cultura reservada e a sua monumentalidade é encontrada na escala humana com uma beleza e calma inexplicável.

No segundo quartel do século XVIII, deu-se a reformulação completa das construções. A intervenção foi feita de modo a integrar todas as construções dispersas pela quinta, transformando-a num projeto único.

Neste momento, este património transformou-se em hotel rural, tendo como apoio de financiamento para a sua recuperação o PDR2020. Relativamente ao jardim, trata-se de um jardim misterioso e fascinante de traçado barroco (séc. XVIII)., onde se reflete a essência de uma cultura reservada e a sua monumentalidade é encontrada na escala humana com uma beleza e calma inexplicável.

O barroco, no tratamento dos jardins, não atingiu a monumentalidade requintada dos jardins das villas italianas, nem a racionalização exagerada da Natureza, dada pelos paisagistas franceses, no entanto, a composição e a formalidade ganha forma entre muros, numa relação intimista com a natureza, em que os elementos naturais (a vegetação, a água e a pedra) se combinam entre si, criando múltiplos recantos e cenários.

Somos convidados a atravessar o grande terreiro do paço e percorrer o pátio interior descobrindo um jardim “tímido” e murado em todo o seu perímetro, com apenas duas aberturas nas extremidades a norte. Pelo lado esquerdo, acede-se ao pomar, que terá sido inicialmente o jardim da casa, a horta ajardinada.

A forma quadrada (típica do século XVI e XVII), a dimensão, a localização e sua atmosfera acolhedora são elementos que sustentam esta interpretação do espaço. No extremo direito, existe uma abertura que estabelece a ligação do jardim e a mata. Na mata, constituída predominantemente por carvalhos e com uma pontuação colorida dada pelo solitário rododendro, encontra-se a ermida.

A ermida, atualmente muito degradada, presume-se ser a que mandou edificar D. Catarina Capa Yupanqui (princesa Inca) para a sua sepultura e de seu marido, o capitão António Ramos (primeiros proprietários da casa).

O projeto do jardim

A conceção do jardim centra-se na subordinação da Natureza a um plano de conjunto que tem como ponto de partida e referência a casa, cuja integração é conseguida através de um pequeno eixo, reforçado pela beleza pontual de uma pequena rotunda, delimitada por bancos e uma fonte central.

O eixo de simetria é ainda acentuado, em termos volumétricos, pelas notáveis japoneiras alinhadas de cada um dos lados, criando um cenário teatral e até de surpresa (muito procurado na época barroca), que escondem o grandioso tanque com

as esculturas mitológicas ao fundo. Ao percorrer o jardim barroco, no qual se procurou recriar a sua formalidade original, através de grandes canteiros arrelvados, encontramos as estátuas que retratam os quatros continentes — África, América, Ásia e Europa.

Considera-se que o continente da Oceânia não se encontrava representado, porque na altura ainda não era reconhecido como tal.

A vegetação

Nesses canteiros, encontravam-se plantadas diferentes e diversas espécies vegetais, oriundas dos quatro cantos da Terra. As plantações eram agrupadas segundo a sua origem geográfica e, como referência, apresentavam, no limite ou no centro dos canteiros, as estátuas que retratavam o respectivo continente.

É um apontamento que nunca foi confirmado dada a ausência de registos fotográficos daquele tempo. Relativamente à vegetação, têm-se além das notáveis japoneiras, três palmeiras. A localização destas, que antigamente eram quatro, tinha como objetivo marcar “naturalmente” o centro do jardim.

Existe, assim, uma combinação entre o material inerte (fonte e bancos) e material vegetal, que juntos criam o centro do jardim. A rematar esta composição geométrica de canteiros encontram-se dois tanques, em planos e tamanhos diferentes.

Os tanques e o sistema hidráulico

O tanque superior apresenta-se enquadrado por dois alpendres retangulares, ritmado por pilastras almofadadas e um nicho com a imagem de N.a S.a da Conceição, enquadrada por várias esculturas mitológicas — Diana, Neptuno.

Ainda sobre este tanque encontra-se a estátua Preguiça, uma designação que resultou do provérbio popular “A preguiça morreu de sede à beira da água”.

O TANQUE SUPERIOR ANTES E DEPOIS DA INTERVENÇÃO. O sistema hidráulico que alimenta os tanques e jardim é elaborado a partir de canalizações antigas que ainda se mantêm.

Uma rede de canais que corre em céu aberto permite acompanhar o seu percurso natural e a sua sonoridade/musicalidade que tanto acalma e nos eleva.

O sistema hidráulico que alimenta os tanques e jardim é elaborado a partir de canalizações antigas que ainda se mantêm e se apresentam em caleiras de granito à superfície. Não existe qualquer documento que comprove a titularidade do projeto.

Encontram-se porém, semelhanças estruturais que aproximam o Paço de Vitorino das quintas desenhadas por Nicolau Nasoni ou que sofreram influência deste.

Nicolau Nasoni, no que diz respeito à arte dos jardins, foi um inovador, construiu jardins ao modo das villas italianas, cenográficas, oferecendo múltiplas soluções teatrais jogadas com as variedades de terrenos, como podemos observar em Chantre, Prelada, Ramalde, Freixo, S. Gens, Bonjóia, nos arredores do Porto.

Nestas quintas, Nasoni foi buscar elementos de casa rural e do solar de família quatrocentista e quinhentista nortenho, integrou também nos jardins as zonas agrícolas e valorizou, acima de tudo, o decorativismo.

São várias as admiráveis obras de Nicolau Nasoni, mas são fundamentalmente a Quinta do Freixo, a Quinta da Prelada e a Quinta de S. Gens que reúnem os elementos que permitem estabelecer analogias com o jardim do Paço de Vitorino.

O conjunto de quatro figuras alegóricas e seu traçado, o eixo de simetria presente em quase todos os seus jardins, a existência de uma peça de água no cruzamento dos eixos centrais e as formas habituais de Nasoni (as cascas, volutas, pétalas e conchas) são alguns exemplos desta analogia.

Atualmente, encontramos uma envolvente recuperada em que o tempo do jardim não parou, apenas se renovou. Ao encontro dos novos traços de arquitetura procurámos valorizar os seus atributos —, os períodos da sua história foram realçados e espelhados na simplicidade da paisagem natural.

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