Os espaços escolares exteriores – os recreios – são espaços únicos para o desenvolvimento físico, psicológico e social da criança.
A compreensão da potencialidade dos espaços de recreio e a alteração do modo como estes são encarados pelos decisores, projetistas, educadores e pais é muito importante para a promoção de um crescimento são e feliz das crianças.
Destacam-se quatro potencialidades únicas e pouco valorizadas em contextos escolares:
1. O VALOR SOCIAL E DE CIDADANIA DO ESPAÇO DE RECREIO
GESTÃO DE RELAÇÕES
O recreio, mais do que um espaço funcional controlado, deverá ser um espaço para aprender a viver em conjunto. A responsabilidade individual e do grupo devem ser promovidas.
A resolução de conflitos e a construção de consensos pode ser trabalhada ao longo do tempo com uma partilha vigiada do espaço.
PARTICIPAÇÃO, ENVOLVIMENTO NO ESPAÇO (APROPRIAÇÃO)
Um espaço sobre o qual a criança sinta que tem deveres e direitos, que o usa e transforma, adaptando-o e ajustando-o às suas brincadeiras. Um espaço em que em conjunto participe.
2. OS VALORES AMBIENTAIS E CULTURAIS; O VIVER COM A NATUREZA QUE NOS ENVOLVE
A escola deve refletir uma relação com a sociedade e o ambiente. E o espaço escolar deve ser um espaço de aprendizagem, de extensão da sala de aula, de contacto com a Natureza, de plantar e colher, de a sentir, entre outros.
Por mais pequeno que seja o espaço exterior, existe sempre possibilidade de aprender com as suas interações, nomeadamente, as folhas das árvores, os insetos, a terra, o sentir as temperaturas, a luminosidade, etc.
É ainda de referir o valor da arborização nos espaços escolares, não só pelo seu ensombramento, como pela estrutura que constitui em termos de desenvolvimento motor, pela sua sazonalidade, etc.
Em paralelo, a criação de estruturas de ensombramento com trepadeiras ou a introdução de diferentes formas de vegetação (estruturas verticais – hortas, vasos…) permitem marcar as diferentes épocas do ano, promovendo uma riqueza de forma, de cor, de aromas importante para quem explora esses espaços.
A criação de espaços naturalizados tem benefícios em termos de alterações climáticas, permite uma melhoria microclimática das temperaturas altas em áreas urbanas pavimentadas.
3. A INDEPENDÊNCIA, A LIBERDADE DE GESTÃO DO TEMPO E DO ESPAÇO NÃO PROGRAMADA
Mais do que equipamentos predefinidos, a presença de estruturas tipo parque infantil, com materiais diversos, permite que a escola seja um espaço de criatividade, de descoberta e de testar novas brincadeiras e desafios.
Este tipo de ações promove o desenvolvimento e o desafio físico e intelectual.
4. UM ESPAÇO DE APRENDIZAGEM FORMAL ATIVO
Por fim, refere-se o potencial de transferência da aprendizagem formal de sala de aula para o exterior, de acordo com o potencial do espaço de recreio.
Como membros da International, School Grounds Alliance (ISGA), tivemos oportunidade de visitar escolas com foco na temática anterior em Tóquio-Yokohama, no Japão, em 2018.
A International School Grounds Alliance (ISGA) é uma “aliança” internacional sem fins lucrativos, fundada por três técnicos internacionais, especialistas em recreios escolares (dos EUA, Canadá e Inglaterra), em 2011, que visa a valorização dos espaços escolares exteriores enquanto locais com uma potencialidade ímpar no desenvolvimento infantil. (www.internationalschoolgrounds.org).
As escolas visitadas, embora não representativas da realidade japonesa, foram apresentadas como exemplos de boas práticas de recreios escolares.
Mais do que descrever e detalhar cada escola, consideramos pertinente selecionar características funcionais ou materiais que nos marcaram, enquanto soluções e conceitos de elevado interesse.
Os espaços descritos referem-se a jardins de infância e pré-escolar (1-5 anos).
“CRIANÇAS QUE CRESCEM EM AMBIENTES CULTURAIS MUITO DIFERENTES, PRECISAM DE UM ESPAÇO DE RECREIO ESCOLAR ENVOLVENTE e de experiências de desenvolvimento e de diversão saudáveis” Sharon Danks, cofundador da ISGA, da Green Schoolyards America, na Califórnia.
Alguns aspetos funcionais comuns às diferentes escolas foram:
• Retirar os sapatos – culturalmente, no Japão, não se anda de sapatos de rua dentro das salas, isto permite ter o espaço interior limpo e uma maior autonomia e organização por parte das crianças.
A arrumação dos sapatos na entrada das salas e a destreza na troca é dominada desde tenra idade sem que isso cause transtornos.
Esta prática permite que o uso do recreio com materiais soltos, mais naturalizado, com um contacto com a terra não afete a limpeza do espaço interior da escola.
• Acessos físicos e visuais com o exterior (janelas e portas) – estes espaços destacam-se por apresentarem uma grande abertura em termos de janelas, com uma constante relação visual com o exterior.
As portas são predominantemente de correr. O facto de as portas e/ou janelas recolherem permite, durante uma grande parte do ano, uma constante ligação entre o espaço interior e o exterior.
• Os espaços de transição – a passagem do recreio para a zona interior das salas faz-se por diversos locais onde, numa zona de transição, há um espaço para trocar de sapatos e/ou de roupa e uma área para lavagem de mãos e pés sempre que necessário.
• O papel dos auxiliares – nas visitas que realizámos, observámos os auxiliares dispersos pelo recreio brincando com as crianças, mas não dominando as brincadeiras, interferindo apenas se alguma criança se magoava.
• A relação com a comunidade e a cultura local – algumas escolas trabalham com a comunidade em espaços de horta ou participam dentro da escola na construção de hortas, pequenos lagos ou mesmo arrozais.
Em termos de materiais usados nestes espaços, é de salientar:
• Espaços exteriores dominados por saibro ou terra – os recreios têm uma área em saibro escuro, onde com pó de giz são desenhados jogos de bola ou pistas para os carros a pedais.
A versatilidade deste tipo de pavimento e o modo como integra a vegetação, nomeadamente, árvores, canteiros e hortas são muito interessantes.
• Terra/areia e água – a presença de terra e água para fazer lama é uma constante.
O uso de pás e de diversos utensílios de plástico, metal ou madeira nas brincadeiras faz destes espaços um local de pequeninos felizes e atarefados, concentrados em atividades por eles definidas.
Os pés dentro de água, as roupas um pouco molhadas não se revelaram motivos de preocupação.
• Monte ou uma elevação – um elemento sempre presente nas escolas visitadas é um monte sólido de terra.
O domínio da subida e da descida, a diversão associada a este relevo, ora com árvores, ora despido de vegetação. Nestas escolas tinha um uso muito intenso.
As crianças partilhavam uma forte agilidade e destreza.
• Recanto/esconderijo – a criação de espaços à escala das crianças, sejam túneis feitos com vegetação, com tubos em betão, manilhas e pequenos recantos.
Os locais resguardados surgem como espaços de conversa, de estar e de recreio.
• Passagens e escadas na escala certa – frequentemente, dentro dos edifícios ou fora destes, são criados locais de passagem estreita, como torres com escadas engenhosamente construídas.
Estas permitem acesso a locais construídos à escala dos mais novos, por vezes acedendo a zonas de redes onde eles brincam.
• Reutilização de materiais (pneus, madeiras) – o uso de pneus fixos ou móveis como equipamento de recreio constitui um elemento interativo que apela à criatividade na criação de novos jogos, como a destreza e até a responsabilidade, quando no final do jogo reúnem e arrumam os elementos.
Consideramos essencial para o futuro das crianças uma mudança de paradigma do recreio escolar, um regresso ao passado.
O recreio é um espaço de formação e de aprendizagem único que não é totalmente explorado. O recreio é, ou deveria ser, um espaço central no conceito escola, não apenas para o jardim de infância, mas estendido a todas as idades.
Deve ser considerado mais do que um espaço para gastar energia entre as aulas e que envolve o edifício da escola.
DEVE SER ENTENDIDO COMO O ESPAÇO CENTRAL À APRENDIZAGEM E À FORMAÇÃO GLOBAL DA CRIANÇA. O BEM-ESTAR DAS CRIANÇAS E A DIVERSIDADE ECOLÓGICA DOS ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM ESTÃO INTRINSECAMENTE LIGADOS.
É de salientar que se tem observado um reinventar dos recreios escolares, com a substituição de áreas pavimentadas por espaços de horta e de pomar.
No entanto existem enormes oportunidades de aprendizagem, criatividade e de recreio ao ar livre por explorar.
A nível mundial, tem-se que verificado que, nos dias de hoje, são reduzidas as oportunidades de as crianças aprenderem ao ar livre e de brincar com e na Natureza.
Este fenómeno verifica-se em consequência de:
- Cidades urbanizadas, com reduzidos sistemas naturais.
- Infâncias superprogramadas em que as crianças têm pouco tempo livre.
- Medos parentais de “perigo/ estranho” e um medo crescente de risco e de responsabilidade.
- Terrenos escolares totalmente pavimentados por questões de manutenção e de risco apresentam poucos incentivos naturais para apoiar a criatividade, brincadeiras e a aprendizagem das crianças.
De acordo com a ISGA, os recreios escolares devem:
• Fornecer oportunidades para a aprendizagem prática e ativa;
• Promover o desenvolvimento físico, social e emocional dos alunos e o seu bem-estar;
• Refletir e abraçar o seu contexto ecológico, social e cultural;
• Abraçar o “correr o risco” como uma componente essencial da aprendizagem e do desenvolvimento infantil;
• Se possível, serem espaços públicos abertos e acessíveis às suas comunidades;
Para mais informações: www.internationalschoolgrounds.org
Texto e fotografias: Maria João Monteiro Gomes – Arquiteta Paisagista
Texto e fotografias: Susana Morais – Arquiteta Paisagista
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