Plantas medicinais e velhos castanheiros.
Tal como prometido, aqui fica a terceira e última parte da crónica sobre o retiro de Plantas Medicinais na Serra da Estrela. Depois de termos andado pelo Vale do Rossim, aldeia do Sabugueiro, Rota das Faias, de termos apanhado muita chuva no primeiro retiro de setembro e dias de sol no início de outubro, terminámos o quarto e último dia do segundo retiro com um curto trajeto até à praia fluvial da Lapa dos Dinheiros.
O percurso foi pequeno, mas fez-se enorme com a quantidade de plantas que encontramos sob os monumentais castanheiros. Demoramos mais de uma hora para percorrer cerca de um quilómetro.
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As violetas
Tinha chovido na semana anterior e as violetas (Viola riviniana) aproveitaram a humidade das ribanceiras para multiplicarem as suas delicadas folhas em forma de coração e também algumas flores, apesar de ainda não fazer frio suficiente, já que estas frágeis e perfumadas flores lilases crescem melhor no frio. Falamos um pouco das suas propriedades terapêuticas e dos seus usos culinários (folha e flor) e contamos algumas das suas histórias.
Desde a Antiguidade que a violeta está associada ao amor, à humildade e à inocência, sendo talvez por isso também uma planta funerária. É mencionada na mitologia grega referindo-se aos amores entre Zeus e uma bela sacerdotisa. Em Atenas, festejava-se o regresso da primavera com violetas cobrindo-se as crianças maiores de 3 anos com estas flores. Nos banquetes, tanto na Grécia como em Roma, os adultos usavam grinaldas de violetas pois acreditavam que lhes refrescava a cabeça e aliviava as ressacas. Os romanos eram grandes apreciadores de vinho de violeta; os egípcios e os turcos deliciavam-se com o sorvete de violeta. Na Roma antiga, come moravam o Dia dos Mortos (dies violores), dia das violetas.
Na crença cristã, Cristo reencarnado é representado com um manto de violetas, também associado à Paixão de Cristo. Em França, era o emblema político dos apoiantes de Napoleão e, aquando da sua morte no desterro, foi-lhe encontrado ao pescoço um medalhão onde guardava alguns cabelos do filho e duas violetas secas. A partir do século XV, a violeta tornou-se a planta mais abundante nos jardins dos mosteiros, sendo utilizada na culinária e na medicina popular em infusão para aliviar insónia, dores de cabeça e sintomas de tristeza. Priscianus, médico bizantino do século IV, aconselhava a comer as três primeiras violetas que se encontrassem no bosque pois isso serviria de preventivo contra todas as doenças para o resto do ano.
Não comemos uma, nem duas nem três flores de violetas, mas provámos as suas folhas que podemos, aliás, adicionar a saladas ou sanduíches. Além das violetas, as urtigas (Urtica dioica) já se mostravam tenras e apetecíveis a pedir um belo risoto, uma sopa ou uma omelete.
Plantas comestíveis
Num pequeno quadrado na berma de uma valeta a caminho do rio, conseguimos listar cerca de 40 herbáceas, muitas delas medicinais, como o verbasco, a prunela, o milefólio, as silenes, as calêndulas, outras tantas comestíveis como a pimpinela, esta rosácea de roseta basal e folhagem de um bonito verde-acinzentado, de delicado sabor a pepino, a morugem (Stellaria media), a prímula, a erva-azeda (Rumex acetosa e R. acetosella), também conhecida por erva-vinagreira. Encontrámos também algumas plantas tóxicas como a dedaleira (Digitalis purpurea), a cicuta (Conium maculatum) e o embude (Oenanthe crocata), advertindo para o facto de que na Natureza não existe salsa espontânea a não ser que se tenha escapado de algum quintal e, portanto, é sempre grande a probabilidade de encontrarmos entre estas plantas parecidas com salsa e que pertencem também à família das Apiáceas, uma espécie tóxica. Existem muitas espécies apetitosas e ricas em nutrientes como os agriões, as morugens, as azedas, as urtigas e os umbigos-de-vénus (Umbilicus rupestris); não necessitamos portanto
De ambos os lados desta estrada de terra batida, destacavam-se velhinhos castanheiros que abriam portas e janelas como que a convidaram-nos para que entrássemos na sua ancestralidade e ouvíssemos os segredos que tinham para nos contar. Eram com certeza centenários e ainda tinham energia para produzir castanhas que atapetavam o chão, saltando para fora dos seus ouriços. As folhas douradas enchiam o ar de luz e magia e esvoaçavam lentas nas mãos da brisa morna do meio-dia, deitando-se a dormir no chão fofinho de húmus, musgos e fetos.
Chegámos finalmente à beira da água onde nos esperava a sombra de alguns freixos, ulmeiros, salgueiros, sabugueiros, o som de uma cascata desmoronando-se entre altos penhascos e uma represa feita piscina de águas muito límpidas e algo convidativas apesar de estarmos em outubro na serra da Estrela. Mergulhámos (apenas os mais corajosos) nas águas frias e revigorantes daquele rio doce que ia encontrando o seu caminho entre pedras e árvores até se juntar talvez ao Mondego, que, por sua vez, se entregaria ao sal do grande Atlântico lá para as bandas da Figueira da Foz.
E nós, de baterias carregadas, novas ferramentas de descodificar paisagens e a transbordarmos de Natureza, regressaríamos também às nossas casas.
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