Nasci em Lisboa, primeiro alfacinha de gerações de minhotos ligados à construção e de ribatejanos ligados à agricultura. Talvez pela bela mistura desses dois saberes, formei-me em Arquitetura Paisagista em 1986.
Desde aí, sempre exerci a profissão e de há alguns anos para cá também dou aulas na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, do que também gosto muito.
Como nasceu o gosto pela agricultura e por cultivar?
De passar largas temporadas de verão e outono na “terra” da família da minha mãe, uma aldeia próxima a Santarém. Em particular nos anos “quentes” pós-25 de abril, os meus pais ficavam a trabalhar em Lisboa e mandavam-me para a aldeia talvez por acharem ser mais seguro.
E aí, com 13-14 anos e sem controlo parental por perto, aprendi a amar a “largueza” do campo e a liberdade de passar dias a vaguear por searas e olivais, matos e hortas.
A minha chegada à agricultura é assim pela liberdade que o campo sempre me deu. Mais tarde vem o gosto de respeitar e manter uma paisagem produtiva, com base nos estudos de Ecologia e de Arquitetura Paisagista. O meu campo é o meu Serengeti.
Foi uma decisão difícil mudar de vida e passar a viver no campo e dedicar-se à agricultura?
Fiz essa mudança formal de viver “no” e “do” campo já com cerca de
50 anos de idade. Não foi uma decisão fácil e implicou até alterações muito significativas na estrutura familiar. Mas foi uma continuidade desde os primeiros contactos juvenis com o campo e, em particular, pela sua irresistível atração, beleza e dureza.
A agricultura é uma atividade que faz em exclusivo ou tem outra atividade profissional em paralelo?
Mantenho as minhas atividades como arquiteto paisagista e professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
E adoro esta trilogia, dá-me pontos de vista e áreas de intervenção complementares e interconstrutivas, reforçando aquilo em que acredito.
E é engraçada a conciliação, porque, na vida agrícola, tenho de passar muito tempo a olhar para o céu e o tempo (esse grande decisor) e, na outra, para os horários e a agenda (essa grande organizadora).
Sentiu necessidade de fazer alguma formação na área agrícola? Que tipo de formações fez?
Sempre. Estou sempre a estudar e aprender. É essencial. E em muitas áreas, dada a policultura e modo de “agrocultura” que pratico. Por exemplo, em agricultura biológica, em apicultura, em tração animal, podas, etc.
Mas essencialmente com os outros sábios agricultores que estão presentes em todas os campos portugueses. E cujo saber não pode morrer com eles.
A agricultura que pratica é biológica? Porquê esta opção?
Sim. Na verdade, praticamos uma abordagem a que chamamos “agri- cultura de paisagem”, que respeita o passado, melhora o presente e dá garantias de futuro ao campo.
Trabalhamos em sistema integrado, como eram as antigas e serão as futuras explorações de base agroecológica. Por exemplo, temos dois cavalos e três burras, colocamos estes amigos animais no olival e eles estrumam-no e cortam as ervas.
E os restos da horta vão para as galinhas e elas dão-nos os ovos. Não usamos nenhum químico de síntese, mantemos sebes e matos e temos abelhas em cortiços, que nos dão um mel extraordinário. São os pássaros insetívoros que muito preservamos que tratam das pragas.
Optámos, contudo, pela certificação em agricultura biológica, essencialmente porque é um selo de diferenciação que o consumidor já conhece e que lhe dá garantias de qualidade na forma de produção dos alimentos.
Dá um bocado de trabalho de papelada, mas identificamo-nos totalmente com o espírito e a prática.
Que tipo de produtos cultiva ou produz e como os distribui e comercializa? Além da produção agrícola, tem outro tipo de atividade ligada a este sector como formação, transformação de produtos ou outra?
Pelo tipo de exploração policultural que praticamos e de acordo com a paisagem em que nos inserimos – o “bairro” ribatejano –, temos um bocadinho de tudo: hortícolas sazonais nas baixas de regadio, leguminosas nas baixas de sequeiro, fruta, aromáticas, ovos, mel.
O azeite é o único simultaneamente certificado como “bio” e DOP “Azeites do Ribatejo”. Também fazemos pão artesanal, tomate seco ao sol, empadas, pestos, etc. Fazemos cabazes semanais e entregamos nas zonas de Santarém e Lisboa.
Vendemos também para supermercados biológicos em Lisboa e para outros colegas agricultores biológicos. E vendemos na quinta, à porta da exploração.
Quais as maiores alegrias e benefícios que esta atividade lhe traz?
Alegrias: a beleza do horizonte sem fim, uma festa na cabeça de uma égua, o apanhar um enxame num carvalho, o amanhecer com o canto das aves e o olhar amigo dos cães, o respeito pela paisagem enquanto património e pelas gerações anteriores que a criaram, a entrega de fazer o melhor que sabemos.
Benefícios: a liberdade das decisões, e a responsabilidade de não ter desculpas nos erros.
Já alguma vez se arrependeu desta opção? Quais as maiores dificuldades que já sentiu na implementação desta atividade de produção agrícola?
Nunca me arrependi e, pelo contrário, cada dia que passa tenho mais certezas na escolha. As dificuldades têm de ser vistas como desafios ou então desistimos na primeira semana.
Cultiva também para consumo próprio?
Claro, qualquer agricultor tem de comer o que produz ou então algo está errado.
Qual a mensagem que quer deixar aos leitores da Jardins que queiram começar a cultivar, para consumo doméstico ou para comercialização?
Viver “no” campo ou viver “do” campo são coisas diferentes e há que decidir o caminho. A segunda escolha implica a primeira.
Visitem explorações, conversem com agricultores, vejam o que sentem quando se levantarem cedo com frio e chuva para ir podar o olival, como suportam 45 graus à sombra e têm de ir carregar fardos de feno, se aceitam perdas de tanto esforço por uma única noite de geada ou um chafurdo de javalis; se tudo isto afinal fizer sentido, então decidam viver “no” e “do” campo.
Gostou deste artigo?
Então leia a nossa Revista, subscreva o canal da Jardins no Youtube, e siga-nos no Facebook, Instagram e Pinterest.